Desenvolvimento de composto ósseo moderniza o tratamento de fraturas em grandes animais

Biomaterial desenvolvido em colaboração entre institutos da USP pode proporcionar bem-estar a grandes animais, como equinos

Biomaterial evita a formação de calos ósseos, que dificultam a recuperação do animal [Crédito: Montagem por Luana Franzão usando elementos do FlatIcon]

A recuperação de fraturas em grandes animais ainda é um desafio para a medicina veterinária, em especial quando há perda de tecido ósseo. Uma pesquisa conduzida pelo Departamento de Cirurgia (VCI) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP está cada vez mais perto de encontrar uma nova solução para o problema.

Com o auxílio de mais de quatro institutos da universidade, os pesquisadores conseguiram desenvolver um composto que pode substituir o material ósseo perdido pelos animais, e dessa forma criar uma recuperação mais adequada das fraturas. A iniciativa, que está em desenvolvimento há mais de dez anos, com o auxílio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), recebeu o prêmio de segundo lugar no Congresso Brasileiro de Engenharia de Tecidos, promovido pela USP.

O resultado proporcionado por essa fase da pesquisa foi o desenvolvimento de um biomaterial, composto de quitosana, hidroxiapatita e nanotubos de carbono — composição semelhante ao tecido ósseo de animais como cavalos e ovelhas — que pode servir como preenchimento em casos de fraturas onde os animais perderam pequenas partes dos ossos. 

“O hospital veterinário da USP atende grandes animais, como equinos e bovinos. Nós percebemos que, principalmente os equinos (grupo de animais composto por cavalos, asnos, mulas, entre outros), normalmente têm fraturas cominutivas, que são fraturas em vários fragmentos”, disse Geissiane Marcondes, responsável pela pesquisa histológica do projeto.

A tecnologia utilizada hoje neste tipo de fratura, apesar de cumprir seu papel, muitas vezes não gera uma recuperação totalmente adequada dos ossos. Placas e parafusos são usados para realinhar o osso fraturado, e em casos onde há falha, não existe forma de preencher o tecido ósseo perdido. A falta de tecido pode provocar a formação de um calo ósseo, que é a forma que o organismo tenta preencher a falha, produzindo um tecido ósseo de menor qualidade.

Aliando o uso das placas para o realinhamento e do biomaterial para preencher espaços, os pesquisadores observaram que o corpo foi induzido a produzir tecido ósseo mais resistente e mais semelhante ao natural. “Toda aquela fratura vai se consolidar com um tecido de melhor qualidade e criar um tecido mais forte, resistente, com mais aderência. Isso dá mais conforto e segurança para o animal, que não será mais tão propenso a outra fratura quanto se tivesse permanecido com as falhas”.

A pesquisa foi realizada em ovelhas, em um primeiro momento. Nesta etapa de estudos, fraturas e falhas ósseas foram produzidas de forma experimental, e a recuperação foi dividida em três métodos: o grupo controle, onde foi apenas realizado o realinhamento comum, com placas e parafusos e a regeneração natural do corpo, um grupo que recebeu placas, preenchimento com o biomaterial e células-tronco retiradas da medula óssea e um terceiro grupo que recebeu as placas e o biomaterial apenas.

A partir de então, foram realizados exames periódicos para analisar o progresso da recuperação dos animais. “O que observamos foi que, realmente, o biomaterial induz a formação de tecido ósseo, porque nos animais do grupo controle não teve crescimento e nos animais dos dois grupos de tratamento cresceu tecido”, explicou Marcondes, comentando sobre a análise histológica que realizou no projeto.

Obstáculos para uso clínico

Com os resultados positivos, a expectativa de levar a pesquisa dos laboratórios para as salas de cirurgia dos hospitais veterinários cresce. A pesquisadora explica que um dos objetivos do estudo era torná-lo acessível na recuperação de equinos com fraturas com perda de tecido ósseo no cotidiano do atendimento de grandes animais, e proporcionar uma melhor recuperação.

Entretanto, Geissiane Marcondes explica que existem alguns obstáculos para que esse uso seja possível: “Um biomaterial, para poder ser usado clinicamente, precisa passar por uma série de testes. Além disso, precisamos saber se nossos parceiros, que forneceram o material para que o nanocompósito fosse desenvolvido, poderiam e gostariam de continuar fornecendo para nós”.

Após a pesquisa prática intensiva realizada, Marcondes afirma que acredita que “está na metade do caminho”. Os próximos passos serão um estudo conduzido pelo professor André Zoppa, do departamento de cirurgia, para conclusões finais sobre o material.

Parcerias dentro da Universidade

O estudo tornou-se realidade a partir da colaboração de diversos institutos da USP. A parceria entre pesquisadores de toda a academia é essencial para a produção de conhecimento científico.

Neste caso, tudo começou com o Instituto de Química da USP em São Carlos (IQSC-USP). Lá, o biomaterial foi produzido e fornecido para a FMVZ em São Paulo. A Faculdade de Odontologia também participou do processo, concedendo materiais e tecnologias dos departamentos de Biologia Oral e Patologia Experimental, permitindo o uso dos microscópios ópticos do instituto.

Outros parceiros foram importantes da hora de fazer uma análise mais detalhada dos resultados. A Escola Politécnica realizou a microtomografia computadorizada, procedimento de tecnologia bastante avançado no diagnóstico por imagem. Na parte de análise histológica, o Instituto de Ciências Biomédicas IV também colaborou.

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