O contraditório Menotti del Picchia e sua influência para o Modernismo brasileiro

IEB abre espaço para discussão das teses polêmicas do poeta e os desdobramentos após a Semana de 1922

Imagem: Reprodução

O cronista Menotti del Picchia deixou marcas na história por sua grande influência para o Modernismo brasileiro. Enquanto uma figura multifacetada, ele foi o responsável pela apresentação dos propósitos estéticos durante a Semana de Arte Moderna de 1922 e também militou em favor do movimento cultural em sua coluna diária no Correio Paulistano, tornando-se assim um de seus principais cronistas.

As teses polêmicas do artista, na maior parte do tempo contraditórias, colaboraram para a construção do ideário modernista, e os desdobramentos após a Semana de 1922. Por isso, o Instituto de Estudos Brasileiros da USP dedicou um de seus ciclos de palestras, que recebeu o nome de “Menotti Del Picchia, o gedeão do modernismo nas crônicas do Correio Paulistano”, para reunir importantes estudiosas do escritor, no dia 06 de julho. 

Cartaz de Divulgação do IEBnário

A pesquisadora Ana Paula Freitas de Andrade, que tem Menotti como tema do seu Pós-doutorado, foi a mediadora do evento e iniciou a apresentação com uma série de exemplos de crônicas escritas pelo autor e que faziam propaganda da Semana, uma ideia muito bem estabelecida em sua mente. Menotti assinava suas crônicas no jornal como “Hélios”, que significa sol. 

Para Ana, na trajetória modernista de Menotti Del Picchia, “a contradição e ambiguidade se estabelecem como chave de leitura”. No plano estético, tal como notou Mário de Andrade, o discurso de Menotti comporta aspectos conflitantes, pois o cronista usa a expressão consagrada de seu tempo, de uma verborragia altissonante e eloquente, de um estilo brilhante e sonoro para atacar o passadismo. E com a mesma naturalidade defender a proposta futurista, afirma.

Entretanto, mesmo que defendesse ideias de progresso e liberdade, por muitas vezes o escritor também defendeu explicitamente e recorrentemente algumas ideias retrógradas relacionadas ao fascismo, como discriminação social, elitismo, racismo, misoginia, machismo, ufanismo e totalitarismo. 

Suas ideias preconceituosas e que marcavam sua afinidade com Mussolini foram, posteriormente, reunidas e publicadas no Manifesto Verde e Amarelo, publicado em 1929.   

“A década de 20, em São Paulo, do ponto de vista da História Urbana, é de fato uma espécie de ponto de culminância, que vai condensar transformações sociais e urbanas, que vinham ocorrendo desde a metade do século XIX”, afirma Ana Cláudia Veiga de Castro, professora da FAU USP, membro do Laboratório para Outros Urbanismo também da FAU, autora do livro “A São Paulo de Menotti Del Picchia: Arquitetura, Arte e Cidade nas Crônicas de um Modernista”.

Diante de uma transformação material, é possível perceber também uma mudança simbólica da cidade, na época, retratada nos jornais, na literatura e nos discursos. O que fica é uma imagem de uma cidade veloz, onde não haveria mais espaço para o passado. As crônicas de Menotti são um material rico para analisar como essas imagens foram se constituindo e os ideias se mobilizando. 

No entanto, Ana Cláudia lembra que “ao mesmo tempo que alguma determinada imagem era afirmada e reafirmada outras eram suspeitas e iam surgindo e trazendo à tona, em certo sentido, o outro lado da modernização, seus custos, seus problemas e até mesmo seus riscos”. E é a partir dessas disputas que a São Paulo moderna vai se construindo também no plano das ideias e começa a se firmar como uma das mais importantes cidades do país. 

A mestre e doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP, Suely Corvacho, estudou a figura célebre de Salomé e chegou à personagem de Menotti, publicada em 1939, que pretendia, evidenciar o clima social, moral e político da cidade de São Paulo. 

A doutora explica que a simetria nítida presente entre os capítulos e alguns elementos que compõem a obra marcam uma dualidade, que se estende ao contraste entre a música erudita, de vanguarda e a arte popular na era do rádio; entre a mulher de elite, as mulheres do povo e a mulher moderna. As críticas do autor se debruçam também sobre as pesquisas de vanguarda. 

Em Itapira, cidade do interior de São Paulo muito querida pelo cronista, existe a Casa Menotti Del Picchia, dedicada à memória do poeta. A Casa faz parte de um dos Museus Municipais gerenciados pela Secretaria de Cultura e Turismo de Itapira.

Laís Marin de Campos, formada em Letras pela UNESP, com especialização em Gestão Cultural pelo Centro Universitário SENAC de São Paulo e que foi curadora da Casa Menotti Del Picchia, conta que lá estão abrigados os livros do poeta, de leitura pessoal do autor, telas, esculturas, diários, anotações pessoais, correspondências, um vasto acervo. “Muitas das coisas não foram esgotadas, exploradas, há algumas, no acervo, ainda a serem desvendadas”, conta. 

Em 2019, foi organizada uma exposição sobre a trajetória artística, acadêmica e política de Menotti. O objetivo era trazer olhares para o acervo e conseguir também angariar fundos para a manutenção e reforma do espaço. 

“Estamos caminhando, de alguma forma, para que possamos cuidar melhor desse acervo e mantê-lo. Mas, como eu disse, ainda há muito a ser explorado e que precisa de uma certa atenção, até da comunidade acadêmica para investigação e que podem ser muito significativas para as pesquisas”, afirma Laís.

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