“Sampa Midnight” evidencia cenário musical independente dos anos 80

Estudo a partir do disco de Itamar Assumpção apresenta a melancolia, crise da indústria fonográfica e experimentalismo da vanguarda paulistana

Disco de Itamar Assumpção é analisado em dissertação no IEB (Imagem: Bianca Muniz)

Desenvolvida no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, uma pesquisa está analisando o disco “Sampa Midnight – Isso não vai ficar assim” (1983), terceiro da carreira do músico e compositor Itamar Assumpção, que faleceu em 2003. A análise mostra que o disco traz um pouco do cenário musical da época, originado de um momento de crise da indústria fonográfica e experimentalismo da música independente brasileira.

O estudo é realizado pela pesquisadora Gabriela Miranda de Frias, mestranda do programa de pós-graduação em Cultura e Identidades Brasileiras. “É uma pesquisa que eu faço a partir da obra de arte; é a partir das letras das músicas do disco que eu tento entender um pouco daquele período da música independente em São Paulo”, conta Gabriela.

Alternativa à crise fonográfica

Um marco para os músicos independentes da época foi o Teatro Lira Paulistana. O teatro, inaugurado em 1979 e localizado em Pinheiros, ficou conhecido como um ponto de encontro de músicos como Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé e Tetê Espíndola. Esses artistas queriam continuar a tradição da MPB, mas trazendo consigo algumas inovações, como o experimentalismo. No entanto, com o fechamento do teatro em 1986, o movimento se enfraqueceu.

No mesmo período, um acontecimento abalava a indústria fonográfica: a crise do petróleo, matéria prima do vinil. Desse modo, as gravadoras passaram a selecionar mais o que seria gravado e colocado à venda, não podendo arriscar com o experimentalismo observado nos anos anteriores com a Tropicália, ou com a cena efervescente paulistana. “O que estou vendo na minha pesquisa também, que esse cenário de música independente se forma como uma alternativa ao fechamento da indústria fonográfica”, conta a pesquisadora.

Isso é visto no “Sampa Midnight” de Itamar. Após um primeiro disco lançado pelo selo musical do Lira Paulistana (“Beleléu, Leléu, Eu”, 1980) e o segundo gravado ao vivo no auditório da Funarte (“Às Próprias Custas S.A.”, 1981), “Sampa” é o primeiro lançado de forma independente. Isso trouxe algumas dificuldades, como a gravação do álbum em um estúdio de oito canais, que são fontes independentes de som. Geralmente, cada instrumento em uma música era gravado em um canal separado e depois eram reunidos. Em “Sampa”, Itamar gravou em um mesmo canal, instrumentos como trombone e bateria. “Para fazer uma comparação, ele deu uma entrevista falando que se fosse gravar um disco na Warner, poderia ter um estúdio de 40 canais”. A pesquisadora diz que gravar de maneira independente foi a alternativa encontrada pelos artistas que não conseguiam entrar nas grandes gravadoras, porém era difícil, principalmente pela falta de apoio.

Existência criativa em meio a música linear

Nesse mesmo período ocorreu a primeira edição do festival Rock in Rio. Com o boom de bandas de rock brasileiras, o cenário que já não estava favorável para novas propostas musicais na MPB, ficou ainda mais restrito. A indústria do vinil passou a apostar mais nesse gênero, e uma hipótese para isso, desenvolvida pelo orientador de Gabriela, o professor Walter Garcia, era a capacidade das letras e melodias de rock da época “grudarem” na cabeça dos ouvintes.“Certas músicas dos anos 80 eram como jingles. Um grande exemplo é aquela música da Blitz, “Você não soube me amar”. A frase “você não soube me amar” se repete muitas vezes no refrão da música e o ouvinte consegue acompanhá-la de um jeito linear, manifestando com o seu corpo”.

Essa linearidade não é vista na música e performance de Itamar Assumpção: ela não é uma música passiva, precisa ser ouvida com atenção. Além disso, concordando com essa música ativa, Itamar tinha uma performance provocativa no palco, característica marcante que impedia os espectadores assistirem passivamente ao seu show.

Itamar Assumpção e seu disco “Sampa Midnight” deixam frutos na música de hoje, não somente como inspiração sonora, mas também pela produção de música independente. “Itamar deixou essa possibilidade de você fazer música que não vai ser um produto mercadológico de grandes gravadoras, de você existir criativamente fora desse grande circuito, apesar das dificuldades”, finaliza Gabriela.

Devido à sua importância na música popular brasileira, o IEB promoverá, nos dias 27 e 28 de novembro, o evento “70 anos de Itamar Assumpção”, que propõe debate e reflexão a respeito do artista. O evento contará com exibição de obras audiovisuais sobre a carreira do músico seguidas de bate-papo com seus diretores, além de discussões sobre a música independente em São Paulo, negritude e experimentalismo na vida e obra de Itamar.

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