Artistas italianos esculpiram sua marca na paisagem paulistana

Dezenas de murais espalhados pela cidade aprofundam debate sobre o modernismo

Muralismo possui relação íntima com arquitetura. Obra de Bramante Buffoni sobre parede do Edifício Nobel. (Foto: Hugo Vaz)

Muito além das telas de Anita e Trasila e dos escritos de Mário e Oswald, a arte moderna marcou a cidade de São Paulo para fora dos museus e livrarias, sendo esculpida em suas paredes. Os murais produzidos durante a segunda metade do século 20 estampam até hoje a entrada de edifícios e galerias espalhados pelos bairros da cidade. E foram artistas italianos que, junto aos brasileiros, impulsionaram esse movimento, marcando a estética da época.

Segundo a pesquisadora do Museu de Arte Contemporânea, Patrícia Freitas, que atualmente trabalha em doutorado sobre a presença desses artistas na arte pública da cidade, é importante compreender quem foram os personagens do modernismo, indo além das obras consagradas por crítica e academia. “Me deparei com a completa falta de informação das pessoas tanto nas ruas, como mesmo dentro da academia, a respeito do muralismo que se associou à arquitetura moderna nos anos de 1950 e 1960”, descreveu ainda em seu mestrado.

Esse lapso histórico acerca dos murais é espelhado nas experiências visuais cotidianas. Caminhando pelo centro da cidade, pode-se parar para descansar ao lado de um Di Cavalcanti, em frente ao jardim do hotel Jaraguá, ou sair carregado de compras sob um Bramante Buffoni, numa galeria na 7 de Abril, sem que se registre a existência dessas artes decorativas. “Essas obras dialogavam com os olhos das pessoas da época de um modo que não podemos compreender totalmente no presente, mas que faz parte de nossa história.”

Murais se misturam à paisagem urbana. Obra do carioca Di Cavalcanti, em frente ao Hotel Jaraguá. (Foto: Hugo Vaz)
É possível caminhar pela cidade sem jamais notar algumas das obras. Bramante Buffoni, na entrada da galeria Nova Barão. (Foto: Hugo Vaz)

Erguem-se os murais

Entre as décadas de 1950 e 1960, São Paulo observou um enorme crescimento vertical, impulsionado pela prosperidade econômica do período e inserido no projeto de modernização do governo Juscelino Kubitschek. Nas obras desse estágio, foram erguidos um grande número de edifícios que denotavam a ideia de modernidade, mobilizando o trabalho em conjunto de nomes como Oscar Niemeyer, Cândido Portinari, Fulvio Pennacchi, Antônio Maluf, Bramante Buffoni, entre outros. 

O primeiro grande estopim para a arte monumental na cidade foram as comemorações do seu Quarto Centenário, em 1954. O artista Bramante Buffoni, correspondendo-se com um amigo à época, declamou a “louca ideia” de ir à cidade para trabalhar na preparação do evento. Na carta, ele indicou que sua vinda poderia resultar em pouco ou nenhum trabalho, entretanto, após desembarcar no Brasil em 1953, Buffoni permaneceu até sua morte em 1989.

De acordo com Patrícia, a produção de artistas italianos foi um elemento indissociável ao crescimento do muralismo em São Paulo. “Partindo de um know-how adquirido pela proximidade da arte italiana com a arte monumental e, adicionando questões contemporâneas, como a percepção vinda do design industrial, artistas como Bramante Buffoni e Roberto Sambonet criaram um número expressivo de murais em São Paulo”. Com contribuição da pesquisadora, foram inventariados 101 murais na cidade, cerca de um quarto feitos por italianos.

Os muralistas dialogavam com a estética modernista. Bramante Buffoni, na entrada do Edifício Nobel. (Foto: Hugo Vaz)

Modernismo expandido 

O muralismo paulistano floresceu em ambientes alternativos à atuação dos grandes nomes da arquitetura moderna da cidade. Enquanto as primeiras obras guardavam uma relação estreita com arquitetos renomados, a produção subsequente se emancipou dessa hierarquia. Com o tempo, os murais começaram a aparecer em locais como bares, restaurantes, clubes, hotéis, residências, cinemas, teatros, hospitais, entre outros. 

Os temas também variaram ao longo da produção, desde grandes odes à história de São Paulo, até abstrações indefinidas de cor e forma — replicando a dualidade interna do modernismo brasileiro entre figuração e abstração.  

A arte comissionada dos murais, abandonada com o tempo, contrasta com a arte individual dos grandes quadros modernistas, cada vez mais celebrados. Contudo, ambas fazem parte do mesmo contexto, dialogando com a linguagem visual do movimento. 

Para Patrícia, a exploração dessa heterogeneidade pode chacoalhar certas máximas acadêmicas e construir novos conhecimentos. “Estudar a trajetória de pintores como Pennacchi e Buffoni pode nos ajudar a trazer uma nova perspectiva para as relações entre arte, arquitetura e indústria dentro da história da arte moderna no Brasil.”

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