Pesquisadora aposta em novas linguagens para divulgação científica

Personagem de animação com fins didáticos coordenada pela prof. Jane Gregorio-Hetem. Créditos: Marlon Tenório

Isaac Newton, famoso físico britânico, dizia que o conhecimento humano é uma gota se comparado ao vasto oceano do desconhecido. De forma análoga, o modo como o senso comum percebe a figura de cientistas como Newton é uma fração do que essas pessoas realmente fazem e são. A imagem do pesquisador usando jaleco, trancado em um laboratório por horas a fio, sem contato humano e com várias equações ininteligíveis num quadro de giz é clássica e recorrente na ficção.

A professora Jane Gregorio-Hetem, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, acredita que a linguagem pouco acessível é uma das maiores barreiras. “Nós não somos preparados para lidar com o público não-especializado, mas sim para fazer produção científica, baseada numa linguagem muito específica da nossa área”. Ela explica que, ao menos na astronomia, todas as publicações são feitas em revistas estrangeiras, de forma que o nível exigido é muito alto. Dessa forma, os pesquisadores são orientados para essa produção de alta qualidade, o que os acostuma a termos técnicos.

Em 2009, o Ano Internacional da Astronomia, escolhido pela ONU por ocasião do 400º aniversário das primeiras observações feitas por Galileu, Jane organizou um projeto de divulgação que consistia em uma história em quadrinhos sobre a história da astronomia. “Queríamos mostrar a figura do pesquisador como uma pessoa normal, que se diverte, trabalha, etc. E não colocá-lo como uma figura estereotipada, que só fica trancada num laboratório”. O projeto evoluiu para uma série de vídeos que se encontra disponível no site do IAG. Jane conta que a principal dificuldade foi condensar todo o conteúdo em três minutos, pois vídeos muito longos poderiam desestimular o espectador. Além disso, era necessário apresentar tudo em uma linguagem bem simples, mas sem perder o essencial. Para ela, foi interessante colaborar com o especialista em design, pois unir os conhecimentos foi fundamental para o sucesso do trabalho.

“No vídeo, colocamos um jovem para fazer perguntas e criar identificação, e um narrador que tinha voz de professor, falava pausadamente, transmitindo os conceitos de forma séria”. Jane queria que os adolescentes se conectassem com a figura do cientista e pudessem se enxergar naquele lugar. Na cultura brasileira, a ideia do profissional de ciências como um gênio especial é muito comum, e a cientista explica que a realidade é diferente: “o próprio Einstein dizia que 98% é transpiração e só 2% é inspiração. Isso porque ele já era uma pessoa super inspirada. E é um trabalho em grupo todo mundo contribui para construir uma coisa maior. Dá para ser cientista sendo um estudante mediano, normal tem que gostar, porque o estudo nunca termina. Mas não tem que ter nada especial pra isso”.

O espaço na mídia é outra questão complicada. Para a professora, não existe uma concordância entre os jornalistas e os cientistas a respeito de quem deve iniciar o contato. Além disso, os centros de pesquisa brasileiros em geral não investem em divulgação, o que dificulta bastante a circulação de conhecimento fora da comunidade. Jane explica que essa visão está mudando aos poucos e algumas agências de fomento à pesquisa demandam que o pesquisador explique como os resultados serão levados ao grande público — em forma de vídeo, por exemplo.

A professora reforça a necessidade de estimular garotas para essa área. “Temos que combater muito esse preconceito de que as mulheres não têm vocação científica. Temos um monte de nomes de pesquisadoras de liderança na ciência, só que isso é pouquíssimo conhecido”. Ela acredita que esse preconceito não tem nenhuma relação com capacidades de fato, mas sim com questões culturais e modelos pré-estabelecidos.

A astrônoma admite que nem todos têm o perfil para ser cientista, mas acredita que é importante inspirar nas pessoas o pensamento crítico que caracteriza a ciência. Questionar sempre é fundamental não apenas na vida acadêmica, mas no modo de enxergar a sociedade como um todo. Para a professora, o modo como o sistema educacional brasileiro funciona vai na contramão dessa ideia. “O sistema educacional é segmentado e o estudante não sabe conectar os conhecimentos”.

A importância da divulgação científica chamou a atenção de Bruno Schneider, estudante de Astronomia. Orientado pela professora Jane e co-orientado pelo prof. André Chaves, do Departamento de Jornalismo e Editoração da USP, o Trabalho de Conclusão de Curso de Bruno propõe criar um modelo de divulgação a partir da pesquisa da professora, focada em aglomerados estelares. A ideia é pensar em formas de utilizar redes sociais para atingir esse objetivo, pensando em que perguntas devem ser respondidas e de que forma isso pode ser apresentado na mídia para que o público reaja positivamente. A cientista acredita que a colaboração entre as áreas é fundamental para o sucesso desse e de outros projetos.

Para ela, é fundamental mostrar a construção de conhecimento no Brasil. “Faz mais sucesso quem divulga mais, como a NASA, e as pessoas não sabem que temos produções no mesmo nível de importância e grau de dificuldade, como qualquer outro país de tecnologia mais avançada. Temos grande potencial, só que isso não aparece tanto quanto deveria”.

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