As grandes empresas de petróleo influenciam na política externa

A centralidade de recursos energéticos coloca as empresas nacionais em ponto central na sociopolítica dos países

O Lahkta Center, hoje o maior prédio da Europa, com 87 andares, escolhido como nova sede da GAZPROM. (Fonte: Lahkta Center / Reprodução)

A Rússia é um país com grandes reservas de gás natural, o que determina diversas ações econômicas, sociais e políticas. Bruna Eloy de Amorim, orientada pelos professores Feliciano Guimarães e Edmilson Moutinho dos Santos, em sua dissertação de mestrado para o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), se propôs a estudar como o país, por intermédio da sua empresa nacional de exploração do recurso, direciona seu relacionamento diplomático com a Alemanha, China, Turquia e Ucrânia. Essa relação não é unilateral. Ou seja, a vinculação desses países com a Rússia também está muito delimitada pelo fornecimento e captação de recursos.

A matriz energética e sua disponibilidade (seja pela presença em território ou pela troca comercial) é peça chave na forma como cada Estado vai se desenvolver e, para além disso, está intimamente conectado à política externa. A dinâmica daqueles países que controlam os recursos influencia no seu desenvolvimento em torno daqueles que deles dependem.

A importância das National Oil Companies para as Relações Internacionais contemporâneas: um estudo de caso da GAZPROM é o título da dissertação de Amorim, que se debruçou a respeito do elo central que a GAZPROM (Public Joint Stock Company Gazprom), ocupa na extração, produção, transporte e venda do gás natural russo.

Apesar de muito determinado pelo auge ou queda no preço das commodities, os combustíveis representam 84% do consumo energético mundial. “Uma transição energética é certa, mas deve demorar”, aponta Bruna, o que coloca essas matrizes (e no caso da Rússia, o gás natural), como eixo central do seu desenvolvimento.

Para além disso, no caso específico do gás natural, ele representa o que se entende como “combustível de transição”, isto é: um recurso energético menos poluente ou “sujo” do que o petróleo, por exemplo, mas que não é renovável e mesmo assim age ativamente na poluição. “A tendência é que haja um maior investimento nesse tipo de recurso”, afirma, já que se mostra como uma opção mais viável ecologicamente, e favorece uma menor dependência do petróleo.

As NOC’s (National Oil Companies) desempenham, em seus países, quase papel de gestor nas políticas públicas: “É quase um Estado dentro do Estado”, destaca a pesquisadora, porque as empresas tornam-se, efetivamente, promovedoras do desenvolvimento nacional, uma vez que concentram um grande montante de recursos financeiros e, por serem diretamente ligadas ao Estado, acabam detendo um papel desenvolvimentista. Esse papel, por sinal, não é necessariamente incorreto, ainda mais quando vistas no contexto russo: na época do fim da União Soviética, a transição para uma economia efetivamente capitalista acarretou em um boom de privatizações, o que, segundo Amorim: “promoveu um oligopólio que pouco rompeu com a centralização dos recursos, concentrando nas mãos de poucos os lucros das empresas”.

A partir da década de 2000, com o aumento dos preços, a Rússia tem voltado sua política interna para uma retomada do controle de investimento e incentivo ao desenvolvimento estatal. Nesse sentido, a GAZPROM assume um papel central e, ao mesmo tempo, tem gerado resultados positivos para o país, tanto em termos internos quanto em relação à sua política externa.

Especificamente em relação ao gás, como a maior parte é transportada por gasodutos, as negociações entre países atingem um papel tão importante quanto seu preço no mercado internacional. A falta de dinamismo no mercado requer um maior alinhamento político.

A diplomacia na prática

No caso das relações entre Rússia e Alemanha, por exemplo, a distribuição atua como uma arma energética. O mercado russo é receptor de uma grande quantidade de exportações alemãs, e operam cerca de seis mil empresas de capital alemão na Rússia. Por outro lado, grande parte do consumo de gás e petróleo alemães provém da Rússia. Dessa forma, a Alemanha é moderada: “Eles costumam ficar em um meio termo, não assumem posturas muito radicais”, afirma Amorim.

Já no seu contato com a China, Bruna aponta para uma “aliança de conveniência”. Os chineses querem acessar os recursos energéticos russos e estes a expansão do mercado, mas diferente da Alemanha, o que prevalece aqui é o alinhamento político. Ambos países costumam adotar posturas semelhantes sobre assuntos externos, como em relação à Guerra na Síria, vetando sanções ao regime de Bashar al-Assad no Conselho de Segurança da ONU. A aproximação política leva a um aprimoramento das relações bilaterais.

A Ucrânia e a Rússia possuem uma relação conturbada, que se estende para a política externa. Os vizinhos dos russos são extremamente dependentes da potência em diversos aspectos, sendo um deles o energético. Por outro lado, e mais recentemente com a invasão da Crimeia, tensões entre ambas trazem consequências em termos energéticos: cortes de fornecimento afetam a dinâmica interna do país, o que, em geral, o deixa dependente dos anseios russos, inclusive politicamente. “A Ucrânia teve uma postura, em certos momentos, de afrontar os russos em alguns contextos, e acaba pagando o preço por isso. Quando há partidos de oposição, menos alinhados com a Rússia, o preço do gás aumenta”, afirma.

A Turquia, por outro lado, está numa posição mais privilegiada. É um ponto locacional vantajoso, não sendo tão dependente dos recursos russos, mas interessante pela vantagem geográfica de distribuição e expansão. Por isso, consegue obter certas vantagens na administração de situações políticas, o que a torna mais independente das demandas russas. O projeto de gasoduto Nabucco, por exemplo, que transportaria gás entre Áustria e Turquia, passando pela Bulgária, Romênia e Hungria, visa diminuir a dependência russa. “Esse projeto tira a Rússia da jogada, deixa a Turquia mais independente, o que lhe dá espaço para uma certa barganha com o país”, destaca Bruna.

O país continental, sob liderança de Putin, tem se beneficiado do crescimento da GAZPROM. O dela, assim como de outras NOC’s, é cíclico: “quanto mais alto está o preço das commodities, mais crescem as empresas e voltam a influenciar mais, e quando esse preço cai, essa influência diminui”, aponta a pesquisadora.

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