
Um artigo desenvolvido no Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Fofito), da Faculdade de Medicina da USP, relaciona fatores socioafetivos ao desenvolvimento da linguagem em crianças. A fonoaudióloga Marianna Momoe Nanakuma Matsumoto é responsável pelo estudo.
Atrasos podem ser constatados pelos pais e responsáveis por meio dos marcos de desenvolvimento infantil — tratam-se de conquistas que as crianças devem ter alcançado a cada idade determinada. Aos seis meses é esperado, segundo a cartilha, que o bebê goste de se olhar no espelho, faça “gritinhos” e apoie-se nas mãos quando sentado, por exemplo.
Já aos 5 anos, última idade monitorada pelos marcos, a expectativa é que a criança já conte até dez e consiga manter uma conversa com mais de três trocas de ideias, por exemplo.
São os marcos que podem distinguir a surdez de uma timidez ou, até mesmo, vergonha ou preguiça de falar. “A criança pode ser tímida e falar pouco. Mas um atraso, mais do que uma timidez, é realmente não estar no marco do desenvolvimento esperado na sua faixa etária”, afirma Mariana.
Fora esses parâmetros, podem ser adotados, também, protocolos específicos para acompanhar o desenvolvimento linguístico infantil.
O Protocolo de Desenvolvimento de Linguagem (PDL) é um rastreio aplicado nas triagens médicas analisadas. Ele checa as habilidades de fala, língua e escuta da criança, e é uma versão traduzida e adaptada de um protocolo estadunidense desenvolvido pela American Speech-Language-Hearing Association (Asha — Associação Americana para a Fala, Linguagem e Audição, em tradução livre para o português).
Outro procedimento é o Protocolo para Identificação de Fatores de Risco para a Alteração de Linguagem e Fala (Pifral). Este é um modelo brasileiro desenvolvido em 2013 que foca mais em fatores de risco sociodemográficos.
Os resultados
A pesquisa foi realizada a partir de uma análise dos dados de 194 crianças do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Atenção Primária à Saúde (Lifaps) da Fofito, que foram testadas com o PDL e o Pifral. Os participantes analisados tinham até cinco anos e onze meses de idade. Dentre eles, 121 apresentaram alterações nos resultados dos protocolos, contra 73 não-alterados, o que corresponde a 62,4% dos participantes, aproximadamente.
Os resultados mostram que a procura por assistência fonoaudiológica era maior entre as crianças do sexo masculino (46,9% das alterações) e entre as de cor branca (68% da procura por atendimento).
Do total de alterações no PDL, 49,5% estavam relacionadas ao desenvolvimento apenas da fala. A maior incidência de alterações se concentra entre os filhos de pais e mães com o ensino médio completo, seguido do ensino superior completo.
As famílias brasileiras
Um dado chama a atenção: a chance de atrasos no desenvolvimento da linguagem aumenta quando o tempo passado com os pais é menor. Dentre as crianças com resultados alterados do PDL, 66,9% (81) passavam, no máximo, 8 horas por dia com os pais.
Sobre isso, Marianna comenta: “Os pais trabalham muito, são o sustento da família, mas eles trabalham demais”. Como contenção dos danos dessa sobrecarga e consequente diminuição do tempo com os filhos, a fonoaudióloga comenta que “é difícil passar oito horas com seu filho, mas se você passa meia hora brincando com qualidade, você estimula a linguagem”.
“Brincar com seu filho parece muito óbvio. Você tem que brincar com a criança. Mas muitos pais perguntam pra mim: ‘eu tenho que brincar com ele? Ele não vai falar do nada?’ Não, não vai. Você tem que estimular essa fala, essa comunicação” — complementa.
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