
A poluição atmosférica é aquela que altera a qualidade do ar e o torna nocivo à saúde e à qualidade de vida. Nela, estão contidos os poluentes gasosos, em forma de gases na atmosfera, como ozônio (O3) e dióxido de nitrogênio (NO2), e poluentes particulados. Entre eles, estão as matérias particuladas (MPs) MP10 e o MP2,5, partículas inaláveis com diâmetros menores que 10 e 2,5 µm, respectivamente – muito menores que um fio de cabelo e invisíveis a olho nu.
Segundo Victória Maria Lopes Peli, doutoranda do Programa de Meteorologia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), na maioria das vezes, essa poluição pode ser um problema invisível mas está longe de ser inofensivo.

Ela ressalta que a qualidade do ar é produto de diversos fatores. Entre eles, destacam-se as “emissões de gases produzidas pelo homem em processos industriais, de geração de energia, veículos e queimadas”. Também interferem nela a topografia de cada local analisado, condições naturais (como incêndios florestais), poeira levada pelo vento e condições meteorológicas favoráveis ou não à dispersão de poluentes, como a chuva: “se chove, tem transporte pelo vento”.
Efeitos na saúde
Paulo Saldiva, médico patologista, professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e especialista na área de poluição atmosférica, explica que a poluição do ar tem sérios efeitos na saúde humana, e entre eles está o aumento de doenças cardiovasculares. “Aquelas poeiras que entram no pulmão deflagram uma série de estímulos aos receptores de irritação nas vias aéreas, que estimula o nervo vago, que controla o marca-passo cardíaco”.
Padrões adotados pela agência suíça IQAir classificaram São Paulo, em setembro deste ano, como a cidade com o ar mais poluído do mundo por 5 dias seguidos. O ranking mede a qualidade do ar em cerca de 100 grandes cidades de todo o planeta. Esses dados foram determinados, principalmente, pelas concentrações de MPs e de ozônio e, neste período, quase todo o estado estava em emergência para incêndios, segundo informe da Defesa Civil Estadual.
Esses incêndios contribuíram diretamente para a diminuição da qualidade do ar. Saldiva explica o porquê: “havia uma massa estacionária de ar quente em cima da cidade, que também estava sem vento e sem chuva. A poluição tem que ser varrida, se não, ela sedimenta, e se não há vento, aquilo não é soprado para longe. Se não tem chuva, não dá para ‘lavar’ a atmosfera” e, então, os Materiais Particulados tornam-se vilões. Victória alerta que a MP 2,5 pode entrar mais profundamente e atingir os pulmões, enquanto frações de MPs, de até um micrômetro, “podem entrar nos alvéolos pulmonares, atingir a corrente sanguínea e ser distribuídas pelo corpo”.
“A poluição vinha numa tendência que, mesmo se não houvessem queimadas, o ar já iria ficar ruim pela falta de sua dispersão. Mas aí fizeram fogo, né? Uma contribuição inusitada, muito grave, atingiu níveis de poluição sem precedentes nos últimos 20 anos”
Paulo Saldiva, professor da FMUSP
Somando-se às altas temperaturas, a poluição do ar também pode fragilizar o funcionamento do corpo humano. “O calor e a poluição têm efeito sinérgico: um piora a situação do outro”, explica Saldiva. Isso acontece porque temos uma série de respostas fisiológicas ao calor, que são adaptações do funcionamento dos pulmões, rins e coração. “Se o indivíduo se desidrata [por conta do calor], o sangue fica mais espesso, e o coração tem que embobar contra uma resistência maior”, completa. Para Vitória, melhorar a qualidade do ar junto à medidas de mitigação das mudanças climáticas seria “matar dois coelhos numa cajadada só”.
Desde 2000, o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) observou a evolução anual das concentrações dos poluentes MP 2,5, MP 10, Ozônio e Dióxido de Nitrogênio e, durante essa série histórica, todos eles se mantiveram acima dos novos padrões definidos pela OMS. Pesquisas da Fapesp apontam, porém, que hoje o habitante de São Paulo respira um ar mais limpo que nos anos 1980.
Segundo dados da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), 47% (7 mi) da frota total de veículos do estado estão nessa região, e a maior fonte de emissão de gases são os setores de transporte. Segundo Saldiva, a concentração de poluentes na atmosfera diminuiu, mas a dose inalada por paulistanos aumentou. “Com a migração das indústrias para fora de São Paulo, as fontes fixas de poluição se perderam, mas as novas chaminés são as grandes vias de tráfego”, explica. “A cidade se expandiu, afastando geograficamente as pessoas do seu lugar de trabalho. Embora a poluição tenha diminuído, as concentrações de poluentes nos grandes corredores de tráfego são maiores do que no background da cidade”. Grande parte da população passa horas no transporte público, uma vez que mora longe do trabalho, e o professor acredita que, mesmo com mudanças na frota de veículos, o problema da poluição não vai ser resolvido somente com transportes menos poluentes: “Você precisa repensar a cidade”.
Para além de monitorar
“É necessário investir em transporte de baixo custo e baixa emissão [de poluentes], mas também é preciso facilitar a aproximação entre emprego e moradia, porque isso diminui o deslocamento. A exposição à poluição é acompanhada por um sedentarismo compulsório, por menos horas de sono porque perde-se tempo no deslocamento… a poluição também tem efeito na dignidade humana. A poluição do ar, com um efeito difuso, também é uma questão de cidadania”
Paulo Saldiva, professor da FMUSP
No estado, há diversos órgãos de monitoramento da qualidade do ar. Além do CETESB e do IEMA, há o programa Vigilância em Saúde Ambiental e Qualidade do Ar (Vigiar) e o Laboratório de Análises da Exposição Humana a Contaminantes Ambientais (LEHCA) da USP. O CETESB opera com boletins diários e classifica o ar como “bom”, “moderado”, “ruim”, “muito ruim” e “péssimo”, que foram atualizados com a legislação de 2013 feita pelo estado de São Paulo.
Para o professor, também é importante lembrar que a poluição do ar não atinge todas as camadas da população da mesma maneira: há uma segregação biológica, etária e socioeconômica; etária porque pessoas de diferentes idades, como idosos e crianças, sentem os efeitos colaterais da poluição mais intensamente devido ao seu sistema imunológico enfraquecido. Biológica porque portadores de doenças crônicas sofrem mais: “a poluição, por causar uma inflamação, dificulta o controle de diabetes, de hipertensão arterial e também aumenta a coagulabilidade do sangue, fazendo com que você possa ter trombose”.
A vulnerabilidade socioeconômica segrega quem é mais atingido pela poluição porque “a estrutura da casa de comunidades menos favorecidas permite maior penetração dos poluentes para dentro das casas”, além da dependência do sistema público de saúde, que não é preparado para cuidar desses casos. “A pessoa vai em uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), [o médico] receita um buscopam, uma dipirona, manda ela ir para casa”. O transporte público também é mais utilizado por essas pessoas, aumentando o tempo de exposição aos poluentes.
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