Consumo de alimentos ultraprocessados é alto em todas as classes sociais americanas

Resultado de pesquisa da USP contesta ideia de que classes altas se alimentam de forma mais saudável

Quase 60% das calorias do consumo energético médio americano são provenientes de ultraprocessados. Imagem: Reprodução

Um estudo da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP – USP) analisou o consumo de alimentos ultraprocessados na dieta da população dos Estados Unidos e concluiu que a taxa no país é alta para todas as classes sociais, com pouca diferença entre os grupos classificados de acordo com a renda (alta, média e baixa). A análise foi feita pela pesquisadora Larissa Galastri Baraldi em sua tese de doutorado orientada pelo professor Carlos Augusto Monteiro, na qual ela estuda os dados referentes aos anos de 2007 a 2012 da National Health and Nutrition Examination Survey, censo americano sobre saúde e nutrição.

De acordo com os resultados da pesquisa, 58,7% das calorias do consumo energético médio diário dos americanos são provenientes de ultraprocessados, sendo a participação desses alimentos maior nas dietas de crianças e adolescentes. Em relação aos grupos sociais, a média bruta entre os indivíduos de baixa renda foi de 61,2%, enquanto entre os indivíduos de renda média e alta o consumo foi de 59,1% e 57,1%, respectivamente. A diferença é pequena e, para a autora da pesquisa, o resultado é relevante porque vai contra a ideia de que pessoas com renda mais alta, por terem também uma escolaridade mais alta, possuem uma alimentação mais saudável. A pesquisadora também afirma que os baixos preços desses alimentos justificam o alto consumo pelas classes com menos renda. “Nos EUA, esses produtos são super baratos. É mais caro comprar uma fruta do que um produto desse tipo.”

Os alimentos ultraprocessados são constituídos por formulações industriais predominantemente compostas de ingredientes de baixo valor nutricional e baixo custo, como sais, açúcares, óleos, corantes, aromatizantes, entre outros. Além disso, possuem diversos aditivos que proporcionam a criação de produtos hiper-palatáveis – ou seja, muito saborosos -, de longa duração e consumíveis em qualquer hora e lugar. Alguns exemplos são chocolates, bolachas, sorvete, hambúrgueres, entre muitos outros. Larissa explica que a escolha por estudar o consumo desse tipo de alimento nos Estados Unidos se deu porque, apesar de ser uma tendência na população em geral, o consumo americano ainda é mais intenso que em outros lugares. “A indústria alimentícia veio com tudo nesses países que se industrializaram primeiro e que não tinham uma tradição culinária forte.”

Para a nutricionista, um dos fatores que intensificam esse cenário e que precisa ser combatido é o marketing agressivo adotado pelas empresas da indústria de alimentos. Além das propagandas televisivas, que, de acordo com ela, deveriam ser melhor controladas, visando algo “mais limpo e menos enganoso”, ela também cita as próprias embalagens dos produtos: “A informação nutricional é muito confusa, ninguém consegue entender muito bem o que é bom e o que é ruim. Há problemas de tamanho de letras, localização da informação nutricional na embalagem e informação por porções que muitas vezes o consumidor não entende exatamente o que são. Assim, mesmo lendo o rótulo, que não é convidativo, o consumidor não consegue concluir se esse alimento é saudável ou não.” Ela cita como um bom exemplo de alternativa a esse problema uma medida proposta pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no Brasil que pretende implementar a rotulagem frontal, trazendo selos de advertência de nutrientes críticos como açúcar, sódio e gorduras saturadas para a parte da frente das embalagens de ultraprocessados. “Essa advertência permite que o consumidor faça escolhas alimentares mais conscientes, favorecendo a manutenção da alimentação saudável, e também pode auxiliar em caso de doenças crônicas em que o consumidor deve restringir alguns nutrientes.”

Para nutricionista, as informações nutricionais dos alimentos podem confundir o consumidor. Imagem: Reprodução

Larissa também fala de outras políticas públicas que, em sua opinião, deveriam ser adotadas visando a diminuição das taxas de consumo desses alimentos. “O que nós do NUPENS [Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, grupo do qual faz parte] propomos são políticas que melhorem o ambiente. Ter mais feiras, comércios e supermercados que tenham espaços de vendas de alimentos saudáveis. Você influencia o ambiente e promove uma alimentação saudável.” Ela ainda fala de políticas que promovam alimentação saudável dentro do ambiente escolar, onde ela acredita que deveriam ser proibidos qualquer tipo de ultraprocessado. “A criança passa boa parte do tempo dela na escola. Então, se lá for proibido, acreditamos que ajudaria muito”.

Brasil: um futuro semelhante?

Para a pesquisadora, caso o Brasil não adote algumas dessas políticas públicas citadas, o país avança para um cenário semelhante ao norte-americano no futuro. “A gente caminha pra ser um dia como os Estados Unidos. Quando analisamos os dois países, é como se fosse uma reta, uma projeção. É um contínuo, como se a gente estivesse projetando como será nossa dieta daqui a alguns anos.” Ela cita uma reportagem do New York Times sobre a indústria alimentícia no Brasil, que traz dados sobre a obesidade infantil brasileira comparada com a dos Estados Unidos. De acordo com o jornal americano, cerca de 9% das crianças brasileiras estavam obesas em 2015, o que coloca o país bem próximo do país norte-americano, onde 12,7% da população infantil vivia com obesidade no mesmo ano.

A pesquisadora também cita uma fala de seu orientador e professor da FSP, Carlos Augusto Monteiro, à mesma reportagem, na qual ele comenta sobre o poder dessas corporações: “O que temos é uma guerra entre dois regimes alimentares, uma dieta tradicional com alimentos de verdade, produzidos por agricultores locais, e os produtores de alimentos ultraprocessados, feitos para serem consumidos em excesso e que, em alguns casos, viciam”, diz Monteiro. “É uma guerra, mas um dos regimes alimentares tem um poder desproporcionalmente maior ao do outro.”

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