Com a explosão da Covid-19 em todo o mundo e suas consequências devastadoras, boa parte da população global passou a prestar mais atenção em maneiras de se proteger contra doenças, e não pensando apenas no coronavírus: males como o H1N1, a gripe aviária, a febre amarela ou a dengue são epidemias perigosas que podem custar a vida de milhares de pessoas todos os anos.
Nesse contexto de maior cautela com a saúde, chamam a atenção estudos que explicam fenômenos como as epidemias de forma matemática, o que pode ajudar a entender melhor a disseminação de doenças e auxiliar no planejamento de estratégias para combatê-las.
Mário José de Oliveira, professor e membro do Grupo de Física Estatística do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, tem como uma de suas linhas de pesquisa a teoria de propagação de epidemia, que é a descrição matemática da propagação de uma epidemia por meio de equações diferenciais. As soluções dessas equações fornecem diariamente o número de indivíduos infectados e a curva epidêmica, que dá a cada dia o número de novos infectados ou de novos casos.
Em meio à disseminação da Covid-19, ela tem dominado as manchetes dos principais jornais, à medida que o governo, órgãos de saúde, empresas e a própria população acompanham a disseminação da doença.
“A formulação da teoria leva em conta os mecanismos de transmissão da infecção, isto é, a maneira como um indivíduo se infecta, o que depende muito do tipo de doença”, diz Oliveira. “Para a gripe comum e outras similares, como a Covid-19, a infecção se dá diretamente de um indivíduo para outro. Mas há outras doenças em que a infecção é feita por um terceiro agente, como é o caso da malária, cujo agente, o vetor, é o mosquito.”
Modelos diferentes para doenças diferentes
Segundo ele, há vários modelos epidêmicos, mas o mais simples de todos é o chamado suscetível-infectado-suscetível (SIS). Nessa descrição matemática específica, há apenas dois tipos de indivíduos envolvidos na dinâmica da doença: aqueles que já estão infectados por ela e aqueles suscetíveis a contraí-la. “Um indivíduo suscetível se torna infectado se estiver próximo de um outro infectado e isso ocorre com uma determinada taxa de infecção. Nessa descrição simplificada admite-se que um indivíduo infectado se cura espontaneamente, tornando-se de novo suscetível. A curva epidêmica tem um crescimento inicial exponencial e depois atinge um platô. Esse modelo descreve, portanto, uma epidemia que não regride, caso em que a doença se torna endêmica”, explica Oliveira.
Há ainda um outro modelo simples, denominado suscetível-infectado-recuperado (SIR), em que número de novos casos cresce exponencialmente, atinge um máximo e depois decresce e se anula, já que nesse caso há o fator da recuperação de pessoas doentes. “O modelo SIR compreende três classes de indivíduos: os suscetíveis, os infectados e os recuperados. À medida que a epidemia se propaga, o número de indivíduos infectados cresce e depois decresce devido ao fato de muitos deles se tornarem imunes. Nesse modelo, depois de determinado tempo, que pode ser longo, os infectados desaparecem e ficam apenas os susceptíveis e os recuperados. Daí em diante, a epidemia não avança”, diz Oliveira.
A importância de reduzir a taxa de infecção
Para ele, o principal resultado desses modelos simples diz respeito ao limiar de propagação. A infecção entre indivíduos é determinada pela taxa de infecção individual, que é proporcional à probabilidade de uma pessoa infectar outra e depende de vários fatores, como a virulência da epidemia e a distância entre indivíduos. “Quanto mais virulenta é a epidemia, maior é essa taxa. Quanto maior é a distância, menor é essa taxa”, explica o professor. “O resultado mais importante desses modelos é que a propagação da epidemia só ocorre se a taxa de infecção for maior do que uma taxa crítica. Se a taxa de infecção for menor do que a taxa crítica não haverá propagação da epidemia, embora possa haver indivíduos infectados na população.”
Dessa forma, é possível entender que reduzir a taxa de infecção é uma das maneiras mais eficazes de combater a propagação de uma epidemia. “A maneira mais direta é aumentar o distanciamento entre pessoas, pois isso reduz a taxa de infecção. O uso de proteções físicas, como o uso de máscaras, é equivalente ao aumento do distanciamento e portanto também deve reduzir a taxa de infecção.”
O papel das vacinas
Os modelos ainda explicam o impacto da imunização da população na dinâmica das epidemias, que pode levar ao fenômeno conhecido como imunidade coletiva, ou de rebanho.
“Suponha que uma parcela da população seja vacinada. Como as pessoas se tornam imunes com a vacina, isso é equivalente a dizer que a distância entre indivíduos suscetíveis a serem infectados aumenta pois entre eles estão os vacinados, que são imunes. Se esse distanciamento for suficiente para reduzir a taxa de infecção abaixo do valor crítico, então não haverá a propagação da epidemia, embora ainda possa haver indivíduos infectados”, afirma Oliveira. “Como não há propagação da epidemia, dizemos que aconteceu uma imunidade coletiva, embora apenas uma parcela tenha de fato imunidade individual adquirida pela vacina.”
Mas ele ressalta: “a parcela a ser vacinada para a ocorrência da imunidade coletiva depende da doença contagiosa. Algumas exigem uma parcela maior, outras uma parcela menor. É claro que depende também da eficiência da vacina em tornar um indivíduo imune.”
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