Pais e cuidadores hesitam sobre vacinação de rotina infantil

De acordo com estudo, crítica às vacinas pode embutir crítica às relações de poder profissional-paciente, apontando para a necessidade de uma comunicação mais democrática na ciência e na saúde

Foto: Marcelo Camargo /Agência Brasil

Florianópolis ocupou a segunda posição no Ranking da Saúde dos Municípios 2020, elaborado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), entre as cidades brasileiras com menor taxa de cobertura vacinal. Para entender alguns dos fatores envolvidos, uma pesquisadora da Faculdade de Medicina da USP (FM) realizou um estudo qualitativo, entrevistando responsáveis de crianças na capital catarinense.

Os responsáveis mencionaram os profissionais da saúde, e,  principalmente, os pediatras, como importantes precursores de informações verídicas sobre a vacinação. A internet também foi bastante citada como possível fonte de consulta, mas com visões divergentes entre os entrevistados. A maioria afirmou evitá-la por temer conteúdos “falsos e alarmistas”. 

Para além dos resultados numéricos, a maior diversidade em aspectos, como raça/cor, gênero, tipos de núcleos familiares e classes socioeconômicas, foi o principal motivo – e o diferencial – da pesquisa. “Normalmente os estudos de hesitação vacinal nacionais e internacionais têm um olhar pouco direcionado nas questões da diferenciação social, ou nas particularidades da hesitação a partir de critérios sociais”, explica a antropóloga e professora da FM, Márcia Thereza Falcão, que orientou a pesquisa de Camila de Carvalho.

“A hesitação vacinal é um fenômeno específico do contexto e está relacionada à história, época e cultura de cada localidade. Sabe-se que os significados atribuídos à vacinação, e,  principalmente, à recusa vacinal, não são homogêneos em todo o mundo”, escrevem as autoras em artigo.

Florianópolis é conhecida como um reduto para aqueles que procuram um estilo de vida “natural”. Com uma visão holística sobre a medicina, eles tecem críticas sobre a hegemonia da indústria médico-farmacêutica e a obrigatoriedade da vacinação infantil. Mesmo assim, a maior parte afirma não ser contrária às vacinas em si, ou seja, não são anti-vacinas. 

Além da oposição à imunização, muitos pais afirmam que conseguem, com seus cuidados, barrar seus filhos de toda e qualquer enfermidade que possam acometê-los. Essa visão individualista acerca dos cuidados com os filhos é um dos resultados de uma tendência atual em que as pessoas buscam cada vez mais cuidados customizados, o que, de acordo com Camila Carvalho, é “epidemiologicamente inviável”.

A vacinação em si é individual, mas a cobertura vacinal é uma prática de cuidados de saúde pública e que acaba acarretando num cuidado coletivo, avalia a médica de família.

O estudo, que vale dizer, foi feito antes da pandemia de covid, cita o contato com outras famílias hesitantes como o principal gatilho para questionamentos sobre a vacinação de rotina. Para as pesquisadoras, a falta de debates sobre a ciência com a sociedade civil dificulta o entendimento. “Os debates democráticos que ajudem amplas parcelas da população a ter conhecimento científico, a não desinformação e uma defesa justa da ciência, e não cega por parte da classe científica, ajudariam a entender os anseios da população”, complementa Márcia Falcão. 

“As famílias entrevistadas apresentam diversas críticas sobre a irredutibilidade e inflexibilidade das instituições diante de suas dúvidas sobre a vacinação. Além disso, o caráter ‘inquestionável’ atribuído às vacinas pelos prestadores de cuidados de saúde é mencionado como uma barreira para o sucesso das discussões sobre vacinas com eles”, descrevem elas no artigo.

Na avaliação da professora, os governos e instituições públicas de saúde não podem fechar os olhos para as pessoas que duvidam da vacina, porque mesmo sendo uma decisão individual, essas críticas e recusas atingem a saúde de maneira coletiva. “Falar sobre vacina, seja da forma de produzir, de estudar, de entender os mecanismos de ação da vacina, mas também das formas das pessoas duvidarem, entender como as pessoas precisam de melhor informação sobre a vacina, e dos medos ou receios que elas têm da vacina é muito importante para a comunicação pública da ciência.”

Essa comunicação tem que ser democrática e inclusiva, e não só para um grupo ou para as elites. “A comunicação pública e democrática da ciência é um dever dos cientistas perante a sociedade.” 

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