Dor na população negra é recorte inovador de pesquisa na área da fisioterapia

Práticas antirracistas no tratamento fisioterapêutico ainda são raridades na literatura científica brasileira

A pesquisadora Merllin de Souza é co-fundadora do Núcleo Ayé, o primeiro coletivo negro da Faculdade de Medicina da USP. [Imagem: Arquivo pessoal/Mariana Lopes Pestana]

A dor lombar crônica (DLC) está em segundo lugar entre os problemas de saúde mais comuns no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Apesar dessa condição afetar milhares de pessoas no Brasil, certos recortes sociais ainda são pouco explorados pela ciência nacional. Merllin de Souza, fisioterapeuta formada pela Universidade Federal do Amazonas e doutoranda em Ciências da Reabilitação na USP, atua na contramão dessa realidade, ao conduzir uma pesquisa sobre o efeito do uso da telereabilitação no tratamento da DLC na população negra brasileira.

Em entrevista à Agência Universitária de Notícias (AUN), Merllin explica que o estudo é um ensaio clínico controlado aleatorizado, focado em pessoas negras de 18 a 65 anos que residem no Brasil. A pesquisa tem previsão de término para maio do próximo ano e conta com a colaboração de três estudantes de iniciação científica.

Por meio da telereabilitação, o estudo visa oferecer um tratamento acessível e eficiente para a dor lombar crônica inespecífica. Este método ganhou destaque durante a pandemia de COVID-19, quando o uso de tecnologias para tratamentos à distância mostrou-se essencial. A aplicação dessa tecnologia, no entanto, ainda é limitada quando se trata de grupos sub-representados. Na ciência, o resultado não é diferente: “a população negra brasileira, por exemplo, é sub investigada em grandes estudos epidemiológicos, e isso precisa mudar”, afirma a pesquisadora.

Ao considerar os determinantes sociais que atravessam este problema de saúde, a pesquisa pode servir como modelo de uma metodologia antirracista. De acordo com Merllin, fatores como nível educacional, região de residência, acesso à alimentação e internet são cruciais para entender a dor e elaborar tratamentos eficazes. “A dor é um sintoma democrático, mas sua experiência e tratamento não são. Precisamos entender quem é essa pessoa que está trazendo a queixa de dor para desenvolver intervenções adequadas.”

Ciência para além da Academia

Merllin compreende que o conhecimento não deve restringir-se à academia. A convite da Liga de Fisioterapia em Gerontologia (LiFiGe), do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP (Fofito-FM), a pesquisadora ministrou uma aula aberta sobre dor na população idosa negra no dia 12 de abril.

Os participantes puderam discutir a importância de diferentes abordagens no tratamento fisioterapêutico, explorando como o racismo está presente no âmbito da saúde. Mariana Lopes Pestana, presidente da LiFiGe, conta à AUN que a palestra foi um diferencial na formação em fisioterapia ao propor a discussão de um tema que muitas vezes é negligenciado. “Aprendemos como perguntar para um paciente sobre a autodeclaração da raça dele, por exemplo”, conta Mariana.

A palestra também tratou com profundidade sobre a sobreposição das desigualdades, chamada de interseccionalidade. De acordo com Merllin, a interseção entre a idade avançada e a identidade racial intensifica as barreiras sociais e econômicas que esses indivíduos enfrentam, por isso é necessário um olhar individualizado com cada paciente.

O evento foi uma oportunidade para pensar sobre como essas complexidades influenciam a experiência da dor e o acesso aos cuidados de saúde, além de destacar a necessidade de abordagens mais inclusivas. Para os envolvidos, a aula aberta e a pesquisa de Merllin de Souza destacam a importância de uma abordagem personalizada e inclusiva na fisioterapia, reafirmando o compromisso com uma prática de saúde que respeita às necessidades específicas de cada pessoa.

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