O ritmo diário é o processo de variação das funções biológicas que se repete regularmente com períodos de aproximadamente 24 horas e ocorre na maioria dos seres vivos. Nos corais, organismos essenciais para a manutenção da biodiversidade marinha, esse mecanismo está associado a variações que são analisadas por pesquisadores e se transformam em dados para comparação de corais saudáveis e não saudáveis, o que possibilita estimativas das consequências de mudanças ambientais para a espécie.
Múltiplas linhas de pesquisa
Isabela Seiblitz, doutoranda em Zoologia pela USP e pesquisadora no Centro de Biologia Marinha da USP (Cebimar), possui algumas frentes de trabalho voltadas ao estudo do ritmo diário em corais da costa do Brasil, como a espécie Mussismilia hispida, popularmente conhecida como coral-cérebro. Além de identificar características de corais saudáveis, Isabela destaca o interesse em encontrar genes já conhecidos e novos que possuem variação circadiana – período de 24 horas – ou variação tidal – que seria um ciclo de 12 horas.
A análise dos genes é realizada no processo de expressão gênica e funciona como uma fotografia da atividade da célula no instante de produção de alguma substância. “Com essa análise, conseguimos ver quais funções associadas a um RNA mensageiro ou quais proteínas estão mais expressas em certo momento. Daí em diante, podemos comparar com outros estudos em corais, pensar em variação de período e mudanças de outras características ambientais”, explica a pesquisadora.
Outro fator de análise relevante para a pesquisa é a presença ou não de zooxantelas: a zooxantela, como define Isabela, é um dinoflagelado – organismo unicelular popularmente conhecido como microalga – capaz de realizar fotossíntese e que, muitas vezes, é encontrado em associação com corais. O coral consegue aproveitar o produto da fotossíntese do dinoflagelado e o usa no processo de calcificação, ou seja, em seu crescimento.
Hoje, a maioria dos estudos realizados com corais é a partir de organismos associados à zooxantela. Segundo a bióloga, “como a zooxantela faz fotossíntese, sua presença funciona como um marcador mais claro de dia e noite, então é interessante entender o quanto os corais percebem a oscilação diária quando não estão associados a ela”.
No momento, o foco da pesquisa é o estudo da variação do microbioma dos corais. O microbioma é a comunidade de microrganismos associados a um mesmo habitat, um organismo completo ou mesmo uma única parte dele; no caso específico do estudo com corais, basicamente são bactérias e arqueas. “Estamos analisando como essas bactérias variam em abundância entre o dia e a noite, se existe mais de um determinado tipo ou menos. Algumas delas têm funções participando de ciclos de alguns nutrientes, então conseguimos supor se, em determinada hora do dia, o organismo tem uma produção maior de alguma substância”, explica Isabela.
A pesquisa desenvolvida no Cebimar é ampla e tem muitas vertentes: além da diferenciação em organismos com e sem zooxantelas, variação circadiana e tidal, análises sobre genes e microbioma, a pesquisadora utiliza a espécie Mussismilia hispida para produzir conteúdos relacionados com o desenvolvimento embrionário dos corais. No caso dos corais-cérebro, os gametas são liberados na água, passam pelo desenvolvimento embrionário e assentam. Isabela revela que esse braço da pesquisa almeja “descobrir quando a variação de 24 horas começa a ser percebida pelos corais, pois eles são expostos ao dia e à noite muito cedo”.
Comparar e prever impactos
Os corais, principalmente os construtores de recife, criam estruturas tridimensionais que servem como habitats e nichos ecológicos diversos. Considerados entre os mais complexos ecossistemas do mundo, os recifes são muito importantes para a manutenção da biodiversidade no ambiente marinho.
Por esse papel central na diversidade biológica, os estudos desenvolvidos por Isabela se preocupam em montar uma base de informações sobre corais saudáveis que pode servir de comparação para identificar espécies sob impactos negativos – como a poluição luminosa, que afeta o ritmo reprodutivo dos corais. “Se refizermos esse estudo em uma região que esteja impactada, dependendo do resultado que der, podemos pensar em qual vai ser o futuro dos corais com base naquilo que está acontecendo, quais funções eles vão começar a perder e como eles vão começar a se comportar nessa situação”, exemplifica. Além dessa aplicação prática, os demais estudos servirão como base para outros pesquisadores: os dados adquiridos com a pesquisa de expressão gênica serão disponibilizados em bases de dados públicas; a pesquisa sobre variação de microbioma contribuirá com o entendimento sobre essa característica nos corais da região do Arquipélago de Alcatrazes; e o estudo sobre desenvolvimento embrionário será um dos primeiros a apresentar uma descrição de cada fase desse processo para a espécie analisada.
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