Pesquisas recentes reaquecem o debate sobre a extinção da megafauna

Um trabalho recente e outro inédito trazem novas evidências que podem nos ajudar a entender melhor sobre o mistério do desaparecimento de espécies

Imagem: Reprodução/The Conversation

Até há aproximadamente 12 mil anos, existiam no mundo – inclusive na região que hoje é o Brasil – uma larga quantidade de espécies que pertenciam à megafauna, termo usado para caracterizar animais com peso médio maior do que 44 quilogramas. Foi por volta desse período que várias espécies começaram a desaparecer, restando poucos representantes. Se em uma época não muito distante havia tigres dente-de-sabre, preguiças com seis metros de comprimento, tatus quase do tamanho de carros e animais semelhantes a elefantes andando pelas Américas, em questão de alguns milhares de anos, quase todos se extinguiram.

Esse desaparecimento em massa é um tema polêmico na ciência, pois as causas exatas ainda são um mistério. Há muitas divergências sobre como se deu a extinção, tendo aqueles que acreditam que foi uma mudança climática e outros que responsabilizam a ação humana. Duas pesquisas recentes de pesquisadores do Instituto de Geociências da USP podem trazer evidências inéditas para esse debate e suscitar novas conclusões.

Megafauna das Américas

Mudanças climáticas

A pesquisadora Vanda Medeiros descobriu, em seu trabalho de doutorado pelo IGc e em colaboração com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), por meio de um estudo palinológico (ciência que estuda pólens e esporos fossilizados), que aproximadamente 20 mil anos atrás a vegetação da Caatinga era bem diferente. Ela comenta que durante seu trabalho “foram identificados grãos de pólen de espécies que estão presentes em regiões mais frias do continente”, o que indica que “na região da Caatinga nós tivemos um clima frio e úmido no passado”.

Segundo ela, o clima tropical semi-árido e a vegetação caracteristicamente esparsa dessa região do Nordeste são, na verdade, relativamente recentes, tendo esse bioma adquirido a forma atual somente entre quatro e cinco mil anos atrás. O que antecedeu a Caatinga foi uma floresta tropical semelhante à Mata Atlântica, um clima bem mais úmido e muito contrastante com o cenário de savana dos dias de hoje. E antes disso veio ainda – que é justamente a novidade do trabalho da Vanda – um outro tipo de bioma: uma floresta úmida e fria, similar às Matas de Araucária no Sul do continente.

Floresta do Sul, semelhante às que existiam na Caatinga antigamente

Com a saída da última Era do Gelo e, consequentemente, com o aquecimento climático que acometeu todas as partes do mundo, esse bioma se extinguiu no Nordeste brasileiro e se transformou ao longo de milhares de anos até resultar na Caatinga. Essas mudanças tão drásticas em um período tão curto fazem a pesquisadora pensar que “houve, sem dúvidas, uma grande influência do clima no desaparecimento das espécies. Os animais não conseguiram se adaptar o suficiente para sobreviver a essas novas condições”.

Essa transição de clima frio e úmido para uma floresta tropical ocorreu por volta de 15 mil anos atrás, o que coincide aproximadamente com a extinção da megafauna (algo próximo de 12 mil anos atrás). As causas exatas que foram responsáveis pela extinção, conforme Vanda Medeiros, ainda não podem ser precisamente identificadas. Para ela, existem uma vasta quantidade de fatores e variáveis que podem ter influenciado esse acontecimento, como a mudança na altura ou densidade da vegetação e alteração térmica, mas ‘seria difícil supor que uma mudança tão grande no clima não seria determinante para o desaparecimento das espécies’.

A presença humana como novo fator

Marco Raczka, professor convidado de pós-graduação no IGc, também fez algumas descobertas sobre esse assunto durante sua pesquisa de doutorado pelo Instituto de Tecnologia da Flórida. Sua intenção era entender um pouco mais sobre essa extinção em massa, especialmente no Brasil e Bolívia. Para isso, ele utilizou uma técnica até então inédita no Brasil: o estudo através do fungo Sporormiella.

Esse microrganismo tem como característica ter que passar pelo trato digestivo de herbívoros para completar seu ciclo de vida. Por isso é possível, com o uso da palinologia, estimar aproximadamente quantos e quando esses animais viviam na região. Estudando o fundo de lagoas na região de Minas Gerais, Marco percebeu que as datas representando uma maior presença de Sporormiella, indicando a megafauna, eram coincidentes com o período em que os seres humanos estavam presentes na mesma área.

Essa foi uma descoberta inédita, pois ainda não era sabido que seres humanos e os animais da antiga megafauna haviam convivido na região. Marco confirma que o clima estava em um período de grande mudança, sendo essa época justamente o período de transição da Era do Gelo para um clima global mais quente, e que as alterações na temperatura e vegetação dos biomas estavam sujeitas a fortes impactos. No entanto, ele ressalta que “a megafauna foi extinta em um momento em que já havia humanos”, e “enquanto houver essa variável (os seres humanos) na equação, não há como dizer que não houve influência”.

O pesquisador continua, com base em outras pesquisas já feitas, afirmando que houveram ‘diversas outras alterações climáticas ao longo do tempo’. Em resposta a isso, “quando o clima se tornava não favorável para sobrevivência, a população diminuía e depois aumentava. Dessa vez, o fator diferencial é o ser humano”.

Ilustração de humanos pré-históricos. Imagem: Reprodução/Youtube

O impacto dessas pesquisas na ciência

Os resultados de ambas as pesquisas trazem evidências inéditas para a discussão sobre a extinção da megafauna e podem contribuir para novas conclusões. Paulo Eduardo de Oliveira, professor do IGc e orientador de Vanda Medeiros e de Marco Raczka, afirma que é muito possível que tenha sido uma combinação de fatores.

A variação no clima é um fato e seu impacto, segundo o professor, não pode ser de forma alguma desconsiderado. “Houve uma mudança dramática em um curto período de tempo, o que alterou as fontes de alimento dos animais, a vegetação, a temperatura”, diz.  E Marco, sobre a sua pesquisa e a da Vanda, afirma que “o que elas mostram de parecido é que a megafauna desapareceu em um momento em que o clima estava mudando e que eles estavam sofrendo com isso”. Mas completa também que acredita que “a presença humana tampouco pode ser descartada como fator”.

Há ainda a possibilidade, como ressaltado pelos pesquisadores, que em diferentes regiões podem ter havido diferentes causas. A pesquisa feita por Marco, onde já haviam sido encontrados fósseis humanos, foi na região de Lagoa Santa, Minas Gerais. O trabalho de Vanda, por outro lado, se limitou à Caatinga, uma região próxima do sertão de Pernambuco, onde ainda não foram encontradas evidências que comprovem a presença humana durante a extinção em massa. Isso deixa em aberto a possibilidade de que não houve uma única causa determinante, mas que fatores agiram de diferentes maneiras segundo os contextos dos lugares.

No fim, enquanto não se pode descartar variáveis, ainda não é possível chegar a uma conclusão definitiva sobre o que exatamente aconteceu. As novas descobertas apontadas por esses cientistas, no entanto, aquecem o debate e nos aproximam um pouco mais das causas desse mistério científico.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*