Projeto da Escola de Aplicação da USP discute gênero e sexualidade

Pesquisadores da Faculdade de Educação investigam as memórias de programa voltado a estudantes do Ensino Fundamental e Médio

A Faculdade de Educação da USP, onde se encontra a Escola de Aplicação. [Foto: Cecília Bastos/Usp Imagens]

Vivian Batista da Silva, professora da Faculdade de Educação (FE) da USP, Renata Guedes Mourão Macedo, professora de ciências sociais e saúde na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, e Gabriel Delatin de Toledo, graduando em história na USP, se propuseram, no ano passado, a estudar o projeto Gênero e Sexualidade da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (EAFEUSP). A empreitada resultou num artigo publicado no final de 2021 na Revista Fronteiras, intitulado Memórias do debate sobre gênero e sexualidade da Escola de Aplicação da FEUSP (1990-2020).

Renata, pós-doutoranda na FE à época da publicação, explica, em entrevista à Agência Universitária de Notícias (AUN), que dividiram a pesquisa em dois momentos: “Por um lado, olhar para como esse debate se dá de maneira mais ampla”, em políticas públicas educacionais; “de outro, olhar como isso está sendo realizado na Escola de Aplicação” desde os anos 1990 até hoje.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) elaborados entre 1996 e 1998 são elencados no artigo como exemplo de inclusão de discussões sobre gênero e sexualidade na educação brasileira. Na Escola de Aplicação, esse movimento começou antes, em 1992, com o projeto “Educação Sexual”, que, em 1996, passa a se chamar “Orientação Sexual”. Inicialmente focado em saúde sexual, hoje o projeto também engloba discussões de gênero, muito requisitadas pelos próprios alunos.

As atividades do projeto são organizadas por professores da própria escola. Renata explica que eles não pretendem simplesmente “ir lá e ‘falar a verdade sobre gênero e sexualidade’, mas abrir espaço para que essas questões, já presentes no cotidiano dos estudantes e da escola, sejam debatidas”. O que não isenta as discussões de alguma controvérsia, fora e dentro da escola.

A Base Nacional Curricular Comum (BNCC) publicada em 2018, por exemplo, embora trate de questões como direitos humanos e diversidade, teve qualquer referência explícita a gênero ou orientação sexual cortada. A lei 13.798 de 2019, por sua vez, instituiu a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência — parte da estratégia do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos que visa substituir a discussão escolar sobre sexualidade por uma defesa da abstinência sexual.

Essas questões exteriores ecoam na EAFEUSP. Vivian explica que, “para muitos pais [de alunos], a sexualidade em si é um problema; para os alunos, é uma descoberta, mas que já vem também povoada do imaginário e das representações que estão no imaginário e na família”. O projeto Gênero e Sexualidade, então, serve como forma da Escola de Aplicação reafirmar aquilo que está em seu Projeto Político Pedagógico: o respeito à diversidade.

Covid e desafios recentes

Durante a pandemia, a Escola de Aplicação, como muitas outras instituições de ensino, se viu forçada a cancelar as aulas presenciais. Mas não conseguiu dispositivos para acesso à internet nem com a rede pública de educação, nem com a USP. A Associação de Pais e Mestres (APM) passou a se organizar, garantindo equipamento para todos apenas no fim de 2020.

Assim, a regularidade dos encontros sobre gênero e sexualidade só foi retomada em 2021, ainda pela internet — o que acarretou algumas mudanças. “A gente está num momento que é público, que é a aula online, mas ela se dá no espaço privado da família”, explica Adriana Silva de Oliveira, professora de teatro e integrante do projeto. “Não necessariamente todas as famílias acolhem da mesma forma as ações do programa.”

Além do desafio imposto pelas aulas remotas, ainda há um déficit de professores. Adriana conta que, a partir de 2017, houve a contratação de professores temporários em regime de 12 horas, que não participam de projetos interdisciplinares. Antes, o projeto Gênero e Sexualidade tinha 6 docentes; hoje, fixos, são dois. “Se a gente continuar nesse movimento de cada vez mais perdermos professores efetivos, a gente não vai conseguir manter os projetos e programas por muito tempo.”

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