Estudo aponta perigos de cianobactéria produtora de guanitoxina para fauna aquática

Pesquisa das Ciências Farmacêuticas detectou mutações em bactérias e alterações fisiológicas em peixes expostos a cianobactéria Sphaerospermopsis torques-reginae

Florações de cianobactérias são formadas com seu crescimento desordenado. Imagem: Flickr

Uma pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo (USP) descobriu um grande perigo envolvendo um dos menores seres vivos do mundo aquático. O estudo detectou que a cianobactéria Sphaerospermopsis torques-reginae, microorganismo aquático unicelular, foi responsável por causar mutações em bactérias e grandes danos à saúde de peixes. Esta cianobactéria é produtora de guanitoxina, uma das mais perigosas toxinas de água doce.

A toxina foi a principal motivação de Larissa Passos para realizar o estudo durante seu mestrado. A, hoje, doutoranda explica que ainda faltam muitos estudos sobre sua toxicidade, “a guanitoxina é o único composto organofosforado natural já relatado na literatura, com potencial de ação similar ao de organofosforados sintéticos, como malation e triclorfon (inseticidas) ou o sarin (arma química), que provocam graves danos neurológicos nos animais quando expostos a determinadas concentrações”. O mestrado de título “Resposta de múltiplos biomarcadores em Oreochromis niloticus (Teleostei: Cichlidae) expostos a uma cianobactéria produtora de guanitoxina” foi orientado entre 2020 e 2022 pelo professor Ernani Pinto, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, e rendeu publicação na revista Science Direct.

Para ampliar os conhecimentos sobre a guanitoxina e seus perigos, Larissa Passos realizou dois testes com a cianobactéria Sphaerospermopsis torques-reginae: a colocou em contato com culturas de bactéria Salmonella e com tilápias-do-nilo, espécie de peixes de água doce.

Professor Ernani Pinto e Larissa Passos com a cultura de cianobactérias Sphaerospermopsis torques-reginae.

No caso das bactérias, o contato foi feito a partir do teste de Ames, procedimento utilizado para detectar agentes mutagênicos, que foi o caso da cianobactéria. “Nosso trabalho relata as primeiras evidências de mutagenicidade de uma espécie de cianobactéria produtora de guanitoxina”, contam Larissa e Ernani. Uma das cepas de Salmonella teve mutações encontradas após o teste, o que indicam a possibilidade de causar danos oxidativos em outros organismos. “As respostas da atividade mutagênica alertam sobre o risco biológico para a fauna aquática de um ecossistema contaminado com a cianobactéria”.

No caso dos peixes, eles foram colocados em tanques com quatro diferentes concentrações da cianobactéria Sphaerospermopsis torques-reginae e foi possível observar alterações fisiológicas relevantes nas duas maiores concentrações. As tilápias destes tanques tiveram indícios de neurotoxicidade (inibição da enzima acetilcolinesterase, fundamental no processo de propagação do impulso nervoso), estresse oxidativo (alteração de enzimas antioxidantes), danos ao material genético e ativação de enzimas osmorregulatórias.

Com os resultados obtidos, a pesquisa demonstrou os perigos de uma grande proliferação de cianobactérias produtoras de guanitoxina nos corpos d’água. As florações, como são chamadas grande populações de cianobactérias que cresceram desordenadamente, representam risco não só para os animais que vivem na água, como também para os humanos que entram em contato com ela. “Nossas descobertas aumentam a importância de entender os efeitos agudos da guanitoxina no meio ambiente e indicamos que seu monitoramento possa fazer parte de portarias do Ministério da Saúde, Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento]”, sugerem Larissa e Ernani.

A dupla ainda alerta que o ser humano precisa ficar atento ao entrar em lagos, lagoas ou reservatórios com água com coloração verde, o que pode indicar a presença de cianobactérias, que podem produzir não só a guanitoxina, como outras toxinas prejudiciais à saúde. Além disso, a pesquisadora e o professor explicam que o próprio ser humano é responsável pelo crescimento desordenado desses microorganismos. “Com condições ambientais favoráveis, como aumento de fósforo e nitrogênio (pela entrada de efluentes não tratados, agrícolas ou de esgoto), algumas espécies de cianobactérias podem se proliferar rapidamente, o que pode ser ainda mais intenso nos ecossistemas de água doce”, explica Larissa. “Essas condições ambientais modificadas podem deteriorar os ecossistemas aquáticos, colocando em risco a biota aquática e causando problemas para o tratamento de água para consumo humano”.

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