Parceria entre IEA e FAU promove visões diferentes sobre a história da arte sul-americana

Projeto busca identificar e valorizar a contribuição indígena em obras da América Portuguesa

América Invertida, obra do uruguaio Joaquín Torres García, critica a hipervalorização das tradições do Hemisfério Norte. Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons

Resultado da colaboração entre o Instituto de Estudos Avançados (IEA) e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), ambos da USP, a iniciativa Barroco Cifrado foi responsável por implementar uma nova linha de pesquisa sobre a história da arte, arquitetura e território sul-americano na Universidade. Além de introduzir temáticas, metodologias e bibliografias atualizadas às disciplinas de graduação e pós-graduação na FAU, o projeto também realizou uma série de eventos de extensão abertos à comunidade para discutir a contribuição dos povos ameríndios na construção de um estilo nacional de arte barroca durante o período colonial.

O Barroco Cifrado teve início em outubro de 2016, quando foi selecionado pela chamada Jovem Pesquisador, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Após o período pré-estabelecido de cinco anos para desenvolvimento de suas metas, o projeto encerrou suas atividades em novembro de 2021, mas, na sequência, recebeu financiamento da Fapesp para iniciar uma segunda fase de pesquisas. Renomeado como Barroco-Açu — termo em tupi-guarani que significa “grande” ou “considerável” —, o programa deverá, até 2027, não apenas consolidar os resultados alcançados em sua primeira etapa, mas, também, aprofundar suas pesquisas sobre os diversos contextos históricos e culturais na América do Sul.

Para Renata Martins, professora do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto na FAU e coordenadora do Barroco-Açu, a iniciativa contribui para o surgimento de uma visão expandida das tradições artísticas mundiais. Doutora na área de História e Fundamentos pela FAU, Renata centrou suas pesquisas de pós-graduação na questão das missões jesuíticas da Amazônia. Os jesuítas, padres católicos vinculados à ordem religiosa Companhia de Jesus, realizavam missões pelo mundo para a catequização de povos — ação da Igreja Católica para conter o avanço do Protestantismo e preservar sua influência global. As tentativas de conversão religiosa na América do Sul resultaram, também, em um processo de aculturação e assimilação do modo de vida europeu entre os indígenas. Logo, o apagamento da herança ameríndia no ensino é uma consequência de tal ação anulatória, que perdura até hoje.

A professora Renata Martins. Imagem: Divulgação/IEA

Para reverter essa situação, o Barroco Cifrado fundou o grupo de pesquisa Abya-Yala FAU, nomeado a partir do termo Abya-Yala, sinônimo de “América” na língua do povo indígena colombiano Kuna. A equipe do projeto se dedica ao estudo da cultura dos povos tradicionais na história da arte e arquitetura e, semanalmente, promove as Quintas Ameríndias, reuniões com convidados que discutem o patrimônio cultural indígena na América do Sul. “Muitos antropólogos, sociólogos e indígenas participam desses encontros”, conta a professora Renata. “Para nós é importante fazer pontes no tempo quando falamos da presença indígena na arte colonial. A arte indígena ainda está viva, ela é resistência. Recentemente, recebemos os indígenas Idjahure Kadiwéu, mestre em antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutorando na FFLCH; Daniel Munduruku e Daiara Tukano”, diz. Munduruku, filósofo e escritor, já publicou mais de 55 livros e venceu dois prêmios Jabuti. Daiara, por sua vez, é artista visual e mestre em direitos humanos pela Universidade de Brasília, e incorpora a cultura, história e espiritualidade de seu povo em suas premiadas produções artísticas.

Para a professora, a história global como a conhecemos tende a privilegiar o continente europeu como palco de grandes realizações e descobertas, o que reforça a importância de abordagens de pesquisa que partam do âmbito local para o global. “Se analisarmos um documento jesuíta que fale sobre madeiras e pigmentos sul-americanos, fica bem claro que esse conhecimento é anterior à época colonial. São conhecimentos ancestrais, ligados ao território, à fauna e à flora brasileira. Os jesuítas consultavam as comunidades indígenas para ter acesso a essas informações”, diz Renata. “Tem quem diga que os jesuítas educaram os indígenas nas suas missões, mas eu acredito no contrário. Os indígenas ensinaram muito mais aos jesuítas.”

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