Telegram se torna refúgio de direitistas e discursos negacionistas

Sem política clara de combate a desinformação, aplicativo abre espaço para posicionamentos antidemocráticos e revisionistas

[Imagem: Flickr\Ivan Radic]

Segundo a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box – Mensageria no Brasil, em um ano, o Telegram teve 15% de aumento de instalações em smartphones nacionais. Em 2021, o aplicativo esteve presente em 45% dos celulares no país e em 2022 cresceu para 60%. A rede, diferentemente das mídias sociais comuns que já renovaram acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, este ano, no combate a fake news, aderiu ao programa do TSE somente depois de ter sido suspensa.

Ao mesmo tempo em que o Telegram aumenta entre os brasileiros, segmentos alinhados ao presidente Jair Bolsonaro também crescem no aplicativo. Conforme levantamento realizado pelo Núcleo, em 2021,  canais de direita cresceram cerca de 42% em número de inscritos na rede. Longe de qualquer aparato de controle da desinformação, segundo o Núcleo, a plataforma acabou se tornando refúgio de grupos bolsonaristas e espaço de livre circulação de notícias falsas, negacionismo, revisionismo histórico e discursos violentos

Pablo Almada, formado em ciências sociais pela Unicamp e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), do setor de sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), desenvolve, como parte de sua pesquisa, um monitor de canais do Telegram, onde tem observado questões relacionadas ao negacionismo, autoritarismo e bolsonarismo. 

Com o contexto da Covid-19, o Telegram tornou-se significativo na veiculação de teorias negacionistas. Pablo explica que nestes canais de direita há principalmente um negacionismo relacionado a grupos antivacina que minimizam a pandemia. Outros chegam a atacar instituições, como o Supremo Tribunal Federal (STF), a favor da intervenção militar, e a Organização Mundial de Saúde (OMS). Além destes, ele aponta a existência dos “antiglobalistas que querem uma nova ordem mundial”. 

A busca por liberdade de expressão e o revisionismo histórico

Com o controle de determinados conteúdos nas mídias sociais populares, outras redes se tornam uma opção para aqueles que buscam se expressar livremente. Frente a tal controle, Pablo conta que muitas pessoas migram para plataformas que se dizem de livre expressão — o Telegram entra justamente nisso. Ele diz, ainda, que como os canais não têm limite de pessoas e os grupos contam com a capacidade de até 200 mil membros, todo conteúdo postado têm grande potencial disseminador.

É o que acontece com o canal do Bolsonaro, com mais de 1,3 milhão de inscritos, e os canais alinhados a ele. Pablo explica que há a formação de um ecossistema cujo canal oficial está no centro e os canais satélites ao redor. Estes últimos são responsáveis por disseminar desinformação e fazer com que os discursos ideológicos da figura pública principal alcancem mais pessoas sem que este seja responsabilizado. 

Como consequência, os conteúdos disseminados por esses canais criam um debate paralelo, além de construir uma realidade invertida baseada puramente em negacionismo e revisionismo de fatos históricos. Em seu monitoramento mais recente, Pablo analisou 64 mensagens de 112 canais. Ele aponta que as mensagens mais compartilhadas mencionaram o vídeo 31 de março: o dia em que o Brasil foi salvo e o filme 1964: O Brasil entre Armas e Livros, produção de alto caráter revisionista e negacionista, conta o pesquisador.

Apesar da presença de conteúdos negacionistas e da propagação de notícias falsas, o aplicativo é tido como uma importante ferramenta de comunicação que cresce cada vez mais nacionalmente. Mesmo que nem todos os usuários brasileiros o utilizem para se informar, desinformação e discursos violentos estão disponíveis a qualquer pessoa, assim como em outras redes. “A qualquer momento eu posso acessar o Telegram, descobrir diversas questões e acreditar nelas” pontua Pablo. “O Telegram funciona como um espaço em que vinculam-se imensos discursos antidemocráticos e autoritários. É como se ele fosse um espaço alternativo com opiniões que, de certo modo, não obedecem às regras sociais e democráticas de controle”, complementa.

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