Pesquisas da USP encontram novas pistas sobre a formação dos sambaquis

Arqueólogos fazem novas descobertas sobre os vestígios da cultura Jê no litoral

Os Sambaquis podem variar entre meio metro até 25 metros de altura (Reprodução/Wikimedia commons)

Ocupações humanas mais antigas do litoral brasileiro, os sambaquis sempre foram alvo de muito debate no meio acadêmico. Não se sabe muito sobre os grupos que os construíram e nem sobre sua função social. Porém, novas pesquisas conduzidas pelo Museu de Arqueologia da USP buscam esclarecer melhor algumas dessas dúvidas.

Os primeiros estudos arqueológicos na região Sul de Santa Catarina revelavam uma grande diferença entre sambaquis do período Clássico e estruturas do período Tardio. Tal distinção era atribuída a fatores naturais e à chegada de grupos Jê (povo indígena das planícies da região Sul) no litoral. Porém, em sua tese, a pesquisadora Fabiana Terhaag Merencio buscou se aproximar ao tema por meio de outra abordagem.

“Nosso objetivo era investigar as interações entre esses sítios. A partir de 50ac, diminuem o número de sambaquis que são ativos na região, e passam a ser construídos outros tipos de sítios que apresentam caraterísticas parecidas, mas estão em outras áreas e são diferentes.”    

Os chamados “Sambaquis Tardios”, de aparência e função diferente dos clássicos, eram tidos como marca da dominação Jê na região e do desaparecimento da cultura sambaqui. Porém, em vez da lógica de conquista e sobreposição de culturas, Fabiana crê em uma relação de trocas e intercâmbio cultural entre os grupos originários. “A abordagem de que os grupos Jê chegaram na região e, com uma suposta superioridade, controlaram a região já tem sido questionada há muito tempo.”, comenta. 

Além disso, a pesquisadora pontua: “Buscamos abordar essa relação por outro lado, (as trocas) são multilaterais, a gente não sabe o que vai resultar desse tipo de contato, busquei caminhar por esse lado.”

Pesquisas de DNA encontrado no sítio Jabuticabeira II do período Clássico(5500 AC-450/650 DC) e Tardio(450 DC -1050 DC) compartilham ancestralidade com os grupos Jê atuais, o que demonstra um processo de contato gradual entre os dois povos, não de dominação imediata. Assim, em sua pesquisa, Fabiana traçou hipóteses para a mudança.  

De acordo com sua proposição, esse grupo esteve no Sul do país por mais de 7 mil anos, passando por diversas transformações internas e externas, mas já não estava presente na chegada dos portugueses. Isso não impede, porém, que os impactos culturais e genéticos desse grupo originário sejam sentidos no presente. Mesmo assim, alguns proprietários não se preocupam com a preservação. “Infelizmente a gente tem muitos casos de sítios que pesquisadores localizam, entram em contato com os proprietários e depois de alguns meses os sítios são destruídos.”, relata Fabiana.

Para conhecer mais sobre o passado da região, a pesquisadora optou por escavar três sítios arqueológicos pouco pesquisados. Entre os escolhidos, está o Morro da Cruz, o único sítio de estruturas semi-subterrâneas no litoral. Lá poderiam estar evidências da cultura Jê na região, mas não foi descoberto nenhum material arqueológico no lugar. “A gente encontrou pedaços de vidro, plástico, frasco de remédio veterinário. Na coleta de carvão, os resultados são de ocupação moderna.” 

Não encontrar vestígios, nesse caso, é também muito importante. Afunilar resultados é uma parte necessária da arqueologia e, sem ela, não é possível chegar em respostas mais precisas sobre o passado. 

Caminhos dos Sambaquis

Uma das mais fascinantes descobertas foi a de que o povo sambaqui possivelmente construía caminhos interligando as estruturas mais recentes com as mais antigas. A conclusão veio pelo uso da tecnologia. Em uma análise de satélite da região, a equipe de Fabiana traçou caminhos de menor custo de locomoção entre um Sambaqui e outro. A pesquisadora comenta que “muitos passam por cima de sítios registrados no período Tardio. Se o caminho de um sítio ao Sul até um sítio registrado na Lagoa passa perto de 4 sítios ao longo do caminho, é possível pensar na hipótese de ligação entre os sítios”. 

Esses sítios do período tardio apresentam muitas mudanças, desde tamanho até coloração, sendo sua função descrita como “marcadores na paisagem, marcadores territoriais ou de compartilhamento de território”. Ainda que diferentes, parecem seguir os traçados e caminhos do período clássico. 

Trazendo para os dias atuais, “Seria como o caminho mais perto entre a minha casa e a padaria, pegando menos trânsito, menos subida, menos obstáculos.”, completa Fabiana.

Um dos principais desafios que a equipe enfrenta é o financiamento. Nos últimos anos, Fabiana observa um decréscimo de investimento em pesquisas na área, parcialmente atribuído à falta de interesse do público em geral nos resultados das pesquisas. A pesquisadora julga que é preciso “Transmitir de uma forma atrativa e interessante, mostrando a importância que têm esses trabalhos”, mas avalia que há uma resistência entre os moradores locais, muito marcada pela cultura de imigração europeia.  

Indo contra essa resistência, Fabiana sonha realizar apresentações sobre os achados da pesquisa assim que as condições sanitárias forem favoráveis. “Antes da pandemia, estava previsto um último retorno à região para apresentar o material e os resultados da pesquisa aos moradores, também conversando com os proprietários dos terrenos. Queria ir lá, levar eles no sítio.” 

Além de apresentar aos moradores, Fabiana quer mostrar ao público em geral as novas descobertas, em especial “sobre a ocupação da paisagem, de como apesar dos sítios parecerem isolados na paisagem, estão interligados pelas rotas, igual hoje são ligadas as cidades da região por meio de estradas”.

A pesquisa é fundamental tanto para confirmar teses antigas quanto para questioná-las, trazendo novas informações para a compreensão de nosso passado e novas reflexões para os pesquisadores do presente. Nem sempre o objetivo inicial resulta em conclusões previsíveis no ramo da arqueologia. Fabiana conclui que: “Minha expectativa inicial na pesquisa era encontrar vestígios de cerâmicas Jê nos sítios, mas acabei encontrando somente vestígios de mudança, que podem também ser fruto de transformações internas. Os grupos mudam por diversos motivos e nem sempre uma mudança é uma ruptura.”

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