Ritmos biológicos de roedor subterrâneo apresentam mudança no campo e em laboratório

A partir de observações no campo livre e em ambiente controlado, cronobióloga investiga a regulação dos ritmos biológicos do animal de ambiente fótico extremo

O tuco-tuco pode ser encontrado em países da América Latina, como Brasil, Argentina e Uruguai [Imagem: Antonio Silveira]

Diurno no campo e noturno no laboratório. Essa foi a mudança observada pela professora Gisele Akemi Oda, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB), ao lado da pesquisadora argentina Veronica Valentinuzzi, no Laboratório Binacional Argentina-Brasil de Cronobiologia em um estudo com o tuco-tuco, roedor de hábitos subterrâneos.

A área de pesquisa de Oda corresponde à cronobiologia, isto é, o estudo do tempo e da organização temporal dentro da biologia. A cronobiologia procura entender os ritmos biológicos, e em particular aqueles que têm os mesmo períodos que os ciclos da Terra, como os de 24 horas (dia e noite) e os anuais (estações).

Com o laboratório localizado no deserto no noroeste da Argentina, o grupo do qual faz parte estuda os ritmos biológicos do tuco-tuco em seu habitat, a fim de entender como seu corpo acompanha a alternância de variáveis do ambiente, como luz e escuridão, e a mudança de temperatura ao longo do dia.

Oda explica que a cronobiologia progrediu muito em cima de trabalhos laboratoriais, nos quais é possível manipular as condições do ambiente e isolar os ciclos, porém havia poucos trabalhos em campo relacionados à área. “No campo, é difícil ficar o dia inteiro acompanhando um animal livre, para medir o ritmo de atividade”, aponta.

A pesquisa foi realizada em campo e no laboratório. Inicialmente, a dificuldade de se obter equipamentos que pudessem medir a atividade dos tuco-tucos fez com que as pesquisadoras passassem a observar o animal. “A primeira coisa que percebemos é que não era possível realizar a observação do animal livre, mas dava para fazer em arena, isto é, o ambiente cercado na natureza. Hoje em dia, se fala muito em enriquecimento de ambiente de laboratório, mas a gente podia fazer uma coisa melhor”, a professora explica. Assim, foi observado que o tuco-tuco saía do ambiente subterrâneo.

O avanço de pesquisas na área permitiu que fosse desenvolvido um equipamento que detectasse luz para estudar, então, o ritmo do animal e como era possível sua sincronia com os ciclos da Terra. “Mesmo se expondo à luz de um jeito diferente, ele estava tão bem sincronizado quanto a gente aqui fora, vendo a luz do sol”, Oda explica. Percebeu-se que o tuco-tuco faz parte da categoria dos animais de ambiente fótico extremo, como caverna, ártico e fundo do mar, uma vez que a variação de luz, que é o maior sincronizador, não apresenta ciclicidade.

O grupo conseguiu mostrar qual era o padrão com que esses animais se expunham à luz. No caso dos tuco-tucos, eles saem moderadamente do subterrâneo, mas por meio de modelagem, foi apontado que isso é suficiente para eles sincronizarem. A pesquisadora expõe que o próximo passo, agora, é expandir a pesquisa para a ritmicidade anual, isto é, como essa exposição à luz é capaz de medir a estação do ano.

Atualmente, a pesquisa está sendo feita em três ambientes diferentes: laboratório, arena cercada e vida livre. Oda compartilha que o grupo foi surpreendido com a mudança de hábito desses animais: enquanto no campo eram diurnos, no laboratório eram noturnos. “Isso nos intrigou desde o começo, até verificarmos na literatura que os poucos cronobiólogos do mundo que tinham feito esse mesmo tipo de estudo, com roedores pequenos de deserto e traçando o paralelo entre trabalho de campo e laboratório, encontraram a mesma mudança”, ela pontua.

A partir disso, foi levantada uma outra linha de pesquisa, relacionada a entender qual a implicância dessa mudança sobre a plasticidade dos ritmos biológicos, os seus mecanismos, limites, potenciais aplicações e o que define essa plasticidade.

A professora segue explicando que a hipótese do grupo é a diferença de dispêndio energético no campo e no laboratório. No campo, o animal subterrâneo passa muito tempo cavando, diferentemente de quando está no laboratório, e busca alimento de dia. Em condições controladas no laboratório, ele passou a ser noturno.

Ota compartilha que já houve trabalhos feitos com camundongos em laboratório mostrando que, ao dificultar a disponibilidade de comida e atrelá-la ao gasto energético, os camundongos – animais noturnos – passaram a ter atividade diurna. Segundo a professora, “sabemos que tem um momento do dia em que o tuco-tuco sai para buscar alimento e colocar a terra para fora dos túneis, portanto isso poderia estar atrelado à diferença de um e outro, pelos menos é o que o grupo acha.”

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