Professor defende campo da pesquisa marxista no Direito

Para o professor este campo de pesquisa é uma área que está ainda muito no início de análise, mas que já conta com uma quantidade não desprezível de dissertações de mestrado e teses de doutoramento. Foto: Reprodução.
Para o professor este campo de pesquisa é uma área que está ainda muito no início de análise, mas que já conta com uma quantidade não desprezível de dissertações de mestrado e teses de doutoramento. Foto: Reprodução.

“É o (método) que mais contribui na busca por uma ciência verdadeiramente popular e de uma universidade efetivamente popular”, sintetiza Marcus Orione, professor de Direito da Seguridade Social, da Faculdade de Direito da USP, a respeito do campo da pesquisa marxista em ciências sociais. Contudo, o professor também ressalta que “especificamente no Direito, o recorte marxista de análise é muito rejeitado”. Isso porque, em sua essência, a análise marxista é muito crítica do Direito em geral e da institucionalidade como um todo.

Por definição, a pesquisa marxista em ciências sociais é aquela que se ocupa de investigar os modos de produção segundo suas determinadas especificidades históricas, ou seja, a maneira de se constituir a vida material, de se produzir a vida material que se altera de tempos em tempos. Portanto, a partir da instauração do sistema capitalista em toda a sociedade, segundo o professor, “a análise marxista no campo das ciências sociais é essencialmente centrada na investigação do trabalho assalariado e da compra e venda das forças de trabalho”.

Marcus Orione, pesquisador marxista e professor de Direito da Seguridade Social, da Faculdade de Direito da USP. Foto de arquivo.
Marcus Orione, pesquisador marxista e professor de Direito da Seguridade Social, da Faculdade de Direito da USP. Foto de arquivo.

O referencial teórico deste campo de pesquisa obviamente são os textos de Karl Marx e dos vários pesquisadores marxistas que fizeram interpretação dos textos marxianos. Mas o professor ressalta que o mais importante de tudo é manter a radicalidade dos textos de Marx, sempre pensando nesse texto à luz de novas determinações históricas e da complexidade que foi assumindo o capitalismo após o Séc. XIX. “Tem que se pensar essas complexidades, tem que se repensar o marxismo a partir destas complexidades, mas, sem perder a essência da leitura marxiana, porque ali que está o substrato da teoria que informa a análise científica com recorte de luta de classes”, salienta.

Para o professor este campo de pesquisa é uma área que está ainda muito no início de análise, mas que já conta com uma quantidade não desprezível de dissertações de mestrado e teses de doutoramento. “Na faculdade de direito, por exemplo, nós fazemos a crítica marxista dos Direitos Sociais em que a gente analisa o Direito do Trabalho e o Direito da Seguridade Social, que é a previdência assistência e saúde, a partir de uma crítica marxista muito contundente”, afirma.

Marcus Orione também ressalta que, além de Marx, outro autor importante para a análise marxista do Direito em específico é Evgeni Pachukanis, um autor russo do início do Séc. XX que defende que a forma jurídica é uma forma específica do modo de produção capitalista, ou seja, que o Direito como conhecemos não existiu em outros modos de produção. “Pachukanis se mostra refratário à naturalização do direito, aquela história de que o direito sempre existiu e sempre existirá e que ele deve ser visto a partir da norma”, define o professor.

O coletivo de pesquisa “Direitos Humanos e Centralidade do Trabalho no Capitalismo”, do qual o professor Marcus Orione faz parte, tem feito um trabalho de tradução de obras importantes para a análise marxista do Direito. Por exemplo, o grupo fez a primeira tradução diretamente do russo do livro “Teoria do Direito e o Marxismo”, de Pachukanis, e alguns e alguns textos inéditos do autor produzidos entre 1921 e 1929.

“A gente tem uma análise que hoje tem produzido bastante material que critica o direito como um lugar em que a burguesia se estabelece e em que cria armadilhas para a classe trabalhadora. E a gente vai fazendo uma análise bem contundente disso no Direito do Trabalho, no Direito Previdenciário, no Direito à Cidade, na Filosofia do Direito, enfim, já existem várias análises nos mais diversos campos do Direito”, afirma o professor.

Direito para além da teoria

Orione também faz questão de ressaltar que a crítica marxista não é uma leitura conteudística e que faz com que o direito seja apenas um fenômeno normativo. Em suas palavras: “Enquanto quem é positivista só fica fazendo uma análise de conteúdo e fica só debatendo a lei, nós buscamos fazer uma leitura efetivamente científica, que não seja só para reproduzir a compra e venda da força de trabalho, mas para criticá-la”.

Deste modo, a análise marxista nas ciências sociais é certamente a que menos fica restrita ao campo teórico e tem uma importância muito grande no campo da prática. Isso porque, dentro da crítica marxista, a teoria e prática pretendem mudanças da realidade social na busca pelo socialismo, então, este campo de pesquisa tem necessariamente que andar de mãos dadas com movimentos sociais, com sindicatos e estar próximo das ações políticas.

“Ou o pesquisador vai a campo pesquisar, ou ele necessariamente tira suas conclusões a partir da realidade fática. Então, de todos os recortes, é aquele que necessariamente mais tem incidência na vida diária de uma sociedade, especialmente das camadas mais pobres da classe trabalhadora porque está ligada necessariamente à ideia de classe trabalhadora, então ele tem essa dimensão que os outros recortes não têm”, afirma.

De acordo com o professor, por causa dessa característica, a área enfrenta muitas dificuldades e muito preconceito, e segundo ele mesmo em uma universidade pública e mesmo quando se busca subsídios públicos para essas linhas de pesquisa, existem tentativas de rejeição que são típicas do sistema capitalista. “Quem escolhe esse recorte tem que ter uma dose de coragem muito grande, porque é um recorte que não raras vezes traz dificuldades e alijamentos”, alerta.

Apesar das dificuldades, Orione reafirma que o campo da análise marxista é a melhor maneira de analisar um recorte metodológico mais efetivo de análise da realidade. “É uma área, uma linha, um recorte de pesquisa, muito difícil, mas cujo os resultados são muito compensadores porque em uma universidade pública como a USP, depois de muitos anos tentando outros métodos e outros recortes, vendo outras maneiras de análise eu cheguei à conclusão, ainda que de forma tardia (só nos últimos quinze anos), de que esse é o melhor de todos para uma universidade pública e para a leitura da sociedade brasileira, e o que mais contribui na busca por uma ciência verdadeiramente popular e de uma universidade efetivamente popular”, conclui o professor.

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