Falta de pesquisas na saúde atrapalha atendimento bucal

Ilustração: Mariana Cotrim

Sabe-se que recursos humanos em saúde são essenciais para a melhora dos seus serviços. Pensando nisso, a professora Maristela Honório Cayetano baseou sua tese de doutorado no panorama dos recursos humanos da odontologia dentro do serviço público. Para ela, essa preocupação, que seria um fenômeno mundial, teria relação com “a má distribuição desses recursos humanos em saúde.”

A pesquisa mostra como evidências científicas são importantes para melhor distribuição de profissionais e condições de trabalho. A preocupação da professora, no início, era justamente essa falta de distribuição geográfica, já que “há vazios sanitários. Estes últimos são áreas sem mão de obra em saúde. Mas há outros lugares, como as grandes metrópoles, que têm muita mão de obra concentrada em alguns bairros, e isso dificulta o acesso da população”. Dessa forma, ela notou como há escassez de estudos específicos, principalmente na odontologia, o que explica tantos problemas encontrados hoje nos hospitais e postos.

Dentre tais problemas, encontra-se a quebra de vínculo entre o profissional e o seu serviço. Com a municipalização dos contratos no SUS, algumas empresas, denominadas Organizações Sociais (OS), são hoje responsáveis pela contratação de mão de obra, fazendo com que muitos funcionários não tenham um vínculo com o serviço público. Essa precarização causa insegurança por parte do profissional, já que ele não tem garantias em relação a sua permanência: “se essa organização social encerra o contrato com o governo todas as pessoas podem perder o emprego”. Isso afeta a relação do profissional até com o paciente, pois todo o serviço que ele presta pode se comprometer devido ao enfraquecimento de seu vínculo com o Estado.

As diferenças salariais entre médicos, dentistas e enfermeiros são outro problema. Em um posto de saúde, por exemplo, podemos encontrar funcionários com vínculo estatutário e funcionários contratados por uma OS, que não possuem o mesmo salário ou benefícios, o que pode gerar conflitos dentro do ambiente de trabalho, além de afetar o serviço de saúde. A equidade salarial desses profissionais já é um tema reivindicado. No entanto, são raros os casos de municípios que levaram a proposta em frente.

A falta de estudos voltados à odontologia é algo que Maristela aponta em sua pesquisa. Para ela, a razão disso seria porque “na saúde em geral, é dada menos atenção para a parte bucal. O próprio indivíduo se preocupa com outras doenças e não com as doenças relacionadas a saúde bucal”. Outro motivo é o fato de que tal área não está incluída no sistema universal de saúde. Países como Canadá e Inglaterra não oferecem diversos tratamentos gratuitos como o Brasil. Algumas universidades contam com observatórios de desenvolvimento de estudos, como a própria FO-USP, que possui o Observa RH Odonto, responsável por desenvolver estudos na área. Há também o Núcleo de Evidências, onde são realizadas sínteses de estudos relacionados com os recursos humanos de saúde. No final deste ano, tais sínteses, voltadas ao estudo de odontologia, serão apresentadas a gestores de vários estados brasileiros para realizar um diálogo deliberativo com o intuito de discutir estratégias para resolver problemas no serviço de saúde.

Mesmo com essa carência de estudos, Maristela acredita que os serviços odontológicos do sistema público de saúde avançaram muito desde a instalação da política nacional Brasil Sorridente, em 2004, cujo objetivo era a melhora das condições de saúde bucal no país. “Em 15 anos, vemos que além de uma ampliação na atenção básica nós ainda possuímos atendimentos especializados que não existem em lugar nenhum”. Ela se refere aos outros serviços que foram instalados com o programa, como a atenção secundária e terciária na saúde bucal, responsáveis pelo oferecimento de tratamentos especializados, cirurgias avançadas, entre outros. Ainda assim a professora diz que “é evidente que nem tudo funciona às mil maravilhas e há muito o que melhorar, precisamos de investimento, mas não adianta investir muito se você não capacita os profissionais.”

Para que haja essa capacitação, estudos e pesquisas são fundamentais, mas o Brasil ainda tem muitas barreiras, até na captação de dados para o processo. Maristela encontrou dificuldades em analisar editais de concursos para cargos públicos, por exemplo, o que dificultou o seu método. Muitos outros pesquisadores enfrentam esses mesmos limites quando estão analisando os fatos. Os cortes de investimento na saúde e educação também são barreiras, por dificultar a expansão de serviços importantes: “com mais pessoas tendo acesso à informação, menos vão ficar doentes, ter cáries ou problemas periodontais, então acho que é algo que auxilia em toda a resolução do problema.”

Em um País onde o sistema público de saúde deixa estrangeiros maravilhados com a quantidade de atendimentos gratuitos oferecidos, é necessária uma grande organização de recursos para que haja a distribuição racional e justa. Diante da falta de estudos e pesquisas que têm como foco os recursos humanos em saúde, nota-se como a educação faz parte do processo de melhoria da área da saúde, principalmente na gestão do SUS. Nesse sentido, é preciso maior valorização nesse tema, já que a melhora nesses recursos significa a melhora da qualidade de vida das pessoas. Como diz Maristela, “os profissionais têm que continuar estudando, têm que ter uma educação permanente para que eles possam continuar trabalhando e bem.”  

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