Exercício físico pode melhorar prognóstico de caquexia

A caquexia afeta pacientes de câncer e insuficiência cardíaca, causando inflamação do músculo esquelético. Foto: Reprodução

Caquético. É possível que muitas pessoas usem essa palavra sem saber qual a sua origem. A caquexia é uma síndrome associada a 40% das pessoas com câncer, 80% daquelas hospitalizadas devido a tumores malignos e responde por 20% da mortes causadas pela doença tumoral, segundo dados publicados pela revista Pesquisa Fapesp (edição 258, de agosto de 2017). Essa síndrome também está ligada à insuficiência cardíaca. Diante desse cenário, o Laboratório de Fisiologia Celular e Molecular do Exercício da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP estuda a respeito do exercício físico como prevenção e combate à caquexia associada a essas doenças.

A síndrome é caracterizada pela grande inflamação dos músculos e grande quantidade neuro-hormônios (como a noradrenalina) circulando pelo corpo. Esses fatores geram, como principal consequência a perda de massa do músculo esquelético, que é responsável por 40% da massa corpórea e está associado à locomoção, respiração e postura. No entanto, a caquexia é precedida pelo quadro de miopatia.

Professora da EEFE e Coordenadora do Laboratório, Patrícia Brum explica como a insuficiência cardíaca começa o ciclo que pode levar à caquexia. “Enquanto a fração de ejeção normal é entre 50% a 70% do sangue que chega ao coração, no paciente com insuficiência cardíaca esse nível é de 35%. Essa redução do fluxo sanguíneo diminui a quantidade de oxigênio e nutrientes que chegam ao músculo esquelético e outros órgãos do corpo, afetando o metabolismo.”

O reflexo dessa disfunção aparece na atividade do sistema nervoso central, na estrutura denominada simpática, que começa a funcionar em estado de estresse e a liberar maior quantidade de neuro hormônios. A consequência é a constante mudança dos tipos de fibra dos músculos. Essa alteração metabólica leva a estrutura muscular a perder função, força e massa. Segundo a pesquisadora, a perda de massa muscular está associada a uma maior mortalidade. Já nos casos de alguns tipos de câncer mais suscetíveis à caquexia, como os de pulmão, pâncreas e cólon, o paciente tem menor tolerância ao tratamento quimioterápico.

Devido a isso, a professora destaca a importância do diagnóstico precoce para que se evite a evolução do quadro de miopatia até caquexia. Além disso, a atividade física é recomendada para aqueles que sofrem de doenças cardíacas por trazer benefícios que não são possíveis apenas com o tratamento farmacológico. “O uso de medicamentos, como os betabloqueadores, que bloqueia o receptor de noradrenalina, visa melhorar a função do coração e diminuir esse estresse neuro-hormonal, circulatório”, explica. “Já o músculo esquelético responde pouco ao tratamento farmacológico, mas é extremamente responsivo ao exercício físico. O estresse mecânico de contrair e relaxar o músculo é um ótimo adjuvante e permite que o paciente tenha benefício de ambas as terapias.”

A prática da atividade física é importante no sentido de impedir que a progressão das mudanças metabólicas nos músculos levem à fraqueza e desenvolva a intolerância a esforços físicos. Um exemplo desse tipo de esforço é aquele realizado em bicicleta ergométrica para levar o indivíduo à exaustão. Um paciente com miopatia possui menor energia porque as fibras de seu músculo esquelético sofreram a disfunção. Assim, quando é a realizado uma atividade, a exaustão chega muito antes.

No corte transversal, constata-se que o exercício físico evita a atrofia e reduz a degradação proteica do músculo (Imagem: Patrícia Brum)

Pesquisas desenvolvidas

A orientação dos estudos do Laboratório coordenado por Patrícia procuram encontrar os efeitos produzidos pela atividade física nos fatores que levam ao estado de caquexia. A professora destaca a pesquisa do professor titular da EEFE, Carlos Eduardo Negrão, para quantificar a atividade nervosa de pacientes com insuficiência cardíaca. A medição através de um eletrodo no nervo fibular anterior dos voluntários permitiu verificar a diferença entre os níveis antes e depois da prática de atividade física. Conclui-se que tal prática foi responsável por diminuir dois terços dos impulsos nervosos por minuto, de 61 foram para 22.

Além disso, há também estudos voltados para o efeito do exercício físico (treinamento estruturado) na miopatia. Patrícia cita a tese de doutorado que orientou e foi defendida por Aline Bacurau. Ao submeter camundongos a um treinamento físico de exaustão, notou-se a redução da intolerância ao exercício físico por parte dos animais. A pesquisa também demonstrou que o treinamento evitava a atrofia do músculo plantar. Já em humanos, a tese identificou que o exercício também evita a atrofia muscular e promove a diminuição da degradação proteica.

Questionada em relação às pesquisas da caquexia associada ao câncer, a pesquisadora esclarece que o conhecimento em relação ao efeito da atividade física é mais incipiente. “A preocupação da oncologia alguns anos atrás era evitar a morte do paciente. Mas agora que os pacientes estão sobrevivendo ao câncer é que a pesquisa se volta à qualidade de vida. O que se sabe sobre doenças cardíacas e exercício físico veio antes do que os estudos recentes da oncologia.”

Um desses estudos foi publicado no Journal of American Medicine Association (Jornal da Associação Americana de Medicina – JAMA) em julho de 2016. O pesquisador Steven C. Moore conduziu a análise que associou a atividade física de lazer com 26 tipos de câncer em uma população de 1,44 milhão de pessoas. A conclusão foi de que a atividade física reduz o risco de 13 tipos de câncer e, para 7 desses, a redução foi igual ou maior a 20%.

No entanto, estudos no Laboratório com camundongos já estão sendo feito para compreender o efeito da atividade física na caquexia associada ao câncer. Assim como no caso da insuficiência cardíaca, a síndrome associada à doença tumoral leva à intolerância ao exercício. “A intolerância ao esforço diminuiu pelo exercício. Mas o mais interessante de todos os dados é que o fato de se exercitar aumentou em 31% a sobrevida dos animais”, explica a pesquisadora. Além disso, Patrícia comenta a diminuição do volume de tumores promovidos pelo exercício prévio. A dissertação de mestrado de Gabriel Cardial Tobias encontrou a redução nos tumores de carcinoma de cólon, melanoma e câncer de pulmão, todos em modelo animal.

Ademais, a pesquisadora esclarece que o doutor pela EEFE, Christiano Robles Alves, e ela  realizaram uma análise de larga escala para identificar proteínas diferencialmente expressas no músculo esquelético de animais com caquexia do câncer em comparação a animais com câncer e exercitados. “Em um primeiro momento, a análise proteômica identificou 1.370 proteínas, das quais 59 estavam alteradas pela caquexia. Mas dessas, 12 são modificadas no sentido oposto pelo exercício. As proteínas desse grupo estão sendo testadas em nível molecular para encontrarmos os mecanismos e futuramente ver a implicação em relação os pacientes com câncer e caquexia”

Ainda que as pesquisas estejam no início de seu desenvolvimento, Patrícia afirma que essas investigações são importantes para dar suporte científico às recomendações de tratamento: “Nós [pesquisadores] contribuímos bastante para o conhecimento ao mostrar os mecanismos pelos quais o exercício minimiza a miopatia esquelética e a caquexia. É preciso saber o mecanismo molecular que está envolvido naquilo. Esse conhecimento é importante para que os responsáveis pelas diretrizes de tratamento recomendem o exercício físico.”

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*