Melhor gerenciamento de solos escavados reduziria custos e teria aplicações em diversas atividades da engenharia civil

Bancos de solo desafogariam e dariam maior vida útil aos aterros de resíduos existentes

Bulldozer removes the debris from demolition of old derelict buildings against grey sky

Mais de 50% dos resíduos sólidos gerados no mundo têm origem de indústrias de construção. No Brasil, os resíduos de construção civil chegam a 70 milhões de toneladas, sendo 40% proveniente apenas da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Segundo Karen Kataguiri, mestre de engenharia ambiental pela Poli, por resíduo é um material excedente de determinada atividade, no caso de obras, corresponde em grande parte aos resíduos da construção civil. “Uma parte é reaterrada, reaproveitando-se na própria obra, mas por falta de espaço, muitas vezes é preciso mandar esse material para um aterro de resíduos de construção”. Apesar das vantagens de um reuso, na legislação brasileira, dependendo do risco dos contaminantes presentes, esse uso é controlado. Mas foi considerando a capacidade que muitos países têm de reutilizar grande parte o material, com substâncias até mais perigosas, que a pesquisadora propôs alternativas sustentáveis para a disposição deles. Ao invés de aterro de resíduos, existiria um banco de solos para o qual se enviaria e retiraria os materiais de escavação, de acordo com a necessidade. “Se a gente aumenta o reuso de materiais de escavação, diminui-se a quantidade de resíduos destinados para essas áreas, então se economiza dinheiro [30% do custo total da obra refere-se apenas ao transporte deles]. Os poucos aterros que ainda existem na cidade poderiam ser poupados”.

Para isso, o primeiro passo foi procurar o que se tinha de solos escavados na bibliografia, mas já aqui houve uma grande dificuldade. O que se encontrou foi resíduo de construção e informações sobre resíduos de construção, morfologia dos solos, e solos agrícolas, mas não especificamente solo de escavação. Um dos problemas reside no fato de que diferentes legislações pelo mundo tomam esse excedente ora como resíduo, ora como solo. Com isso, dificulta a quantificação e a gestão do material para melhor aproveitamento. As normas brasileiras, o Conama 307 e a ABNT NBR 10004, até classificam os materiais não perigosos e inertes

(que são aqueles que, em contato com a água, não apresentam substâncias dissolvidas acima das concentrações estabelecidas para padrões de potabilidade de água), mas na contramão de muitas legislações ao redor do globo, os considera como resíduos. Uma outra dificuldade na contabilização se deu pela existência considerável de atividade informal: “Existe informação sobre os grandes geradores de resíduo. Já os pequenos geradores de resíduo, que geram pequenas quantidades diárias, não são reportados. Mas considerando todos os que existem numa região, esse total é representativo”.

Feito isso, ela verificou de onde poderiam vir esses solos e quais eram possíveis aplicações, ao que ela encontrou “aterros, reaterros de valas, barragens de terra e de enrocamento, camadas de pavimentos, estruturas de contenção como muros de solos reforçados, bem como reposição de cobertura vegetal em jardins, acostamentos de estradas e paisagismo”. Nisso também, ela comenta que a análise deve ser local, ou seja, pensar nos riscos que certo solo teria individualmente numa área industrial, residencial, ou mesmo agrícola. Desse modo, mesmo que o material esteja contaminado, dependendo da finalidade dada, ele ainda poderia ser utilizado. “Se a construção é, por exemplo, numa área industrial, sem consumo de água, sem manancial por perto, dependendo da profundidade do lençol freático e da prática construtiva utilizada, não haveria riscos”. Tendo isso em mente, é importante que se faça uma segregação dos diferentes tipos de resíduo da obra para que o material enviado não venha todo misturado. E aqui a mestre é categórica: “não é viável fazer inúmeras pilhas de aterro provisório, com tipos de solos diferentes. É preciso agrupar esses materiais em grandes grupos e em possíveis finalidades”.

“Grãos de cimento, cerâmica e solos, respectivamente, observados em microscópio”. Fonte: Karen Kataguiri.

Só após tudo isso pôde ser iniciado a parte de fato experimental, com a coleta de amostras de solo escavado de um único aterro (embora contendo solos de diferentes obras) da RMSP e que seriam destinados a aterros de resíduos de construção civil. Das 35 amostras retiradas, oito foram selecionadas aleatoriamente para prosseguimento em ensaios geotécnicos e ambientais. Quanto ao primeiro, tem-se todos os aspectos próprio à segurança e estabilidade de uma construção. Assim, alguns dos principais critérios são a granulometria, a plasticidade e a resistência mecânica do material, mas em questão de aterramento, o fator mais importante é a expansibilidade, ou seja, a capacidade de dilatar em contato com a água. “Se o solo é expansivo, ele já não pode ser utilizado em algumas obras de terra, em pavimentação”, diz Kataguiri. “[Se sim], é necessário colocar uma sobrecarga maior por cima, compactar para conter a expansão”.

Já com relação aos ensaios ambientais, tem-se critérios de proteção ambiental e saúde humana. E aqui, obteve-se dados imprevistos: não só não se encontrou concentrações de metais comuns aos solos brasileiros (ferro, alumínio e manganês), como os valores de sulfato e nitrato se apresentaram maiores que os permitidos pela legislação. Foi então descoberto que em áreas urbanas como São Paulo, de onde vieram esses materiais, esses compostos podiam surgir de esgoto doméstico ou industrial. Por outro lado, verificou-se, por meio de revisão bibliográfica, que as concentrações detectadas nas amostras não representariam risco nem em caso de ingestão de água.

E esse é o problema de uma mesma legislação abranger todos os tipos de materiais, no entanto, Kataguiri entende que no começo a norma precisa ser mais genérica. Para ela, a questão ainda vai mais longe, porque nem o que já se tem é respeitado: “[As análises] partem do princípio de que todos deveriam seguir a regulamentação, mas não é isso que acontece. Tem que ter uma forma de fiscalização efetiva”. Ela também pondera que, embora tenha obtido resultados bastante significativos, as amostras não são representativas de toda a RMSP, uma vez que durante o processo, percebeu-se que as amostras originaram-se de uma única região da cidade de um relativo curto período. Mesmo assim, o tema da dissertação é pioneiro no Brasil: “Mesmo dentro da obra, a área de meio ambiente é separada da área de engenharia. Uma não conversa com a outra, [embora sejam] muito bem conhecidas separadamente”.

Trabalho durante o processo dos ensaios. Fonte: Karen Kataguiri.

Kataguiri, que agora faz seu doutorado estudando metodologias para investigação de solos contaminados, visando o reuso em obras de forma ambientalmente segura, ainda aponta alguns estudos futuros. O primeiro ponto seria aumentar o número de amostras e tentar caracterizar os materiais direto da origem. No estudo, “caracterizou-se o material que saiu da origem e foi para o aterro. Pode ser que ele tivesse uma característica na hora em que foi escavado e, que durante todas as etapas até a chegada no aterro, ele tenha sido misturado ou alterado”. Outra surgiu durante os ensaios: na mistura dos solos com outros resíduos de construção, encontrou-se bastante material cimentício. Segundo a pesquisadora, após uma série de avaliações, “viu-se que a mistura [não só] não prejudicava a propriedade geotécnica, [como também] era mais resistente e menos expansiva, possibilitando maiores possibilidades de uso em obras de terra”. Ela então sugere que mais estudos sejam feitos com materiais mistos, uma vez que eles podem ser muito mais benéficos do que se pensa.

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