Discussão racial deve ser iniciada na Educação Infantil

Embora previsto por lei, as escolas da rede pública não têm iniciativas que busquem trazer para o ambiente escolar o debate racial

Forma como os professores e professoras se relacionam com os alunos conta muito. Foto: USP Imagens

Por Victoria Damasceno – damascenovictoria@gmail.com

De acordo com a lei 10639/03, alterada pela lei 11.645/08, os currículos da educação básica pública devem contemplar a história e a cultura dos povos africanos e afro-brasileiros. Entretanto, poucas escolas estruturam seu currículo escolar considerando a contribuição da população negra para a sociedade. Desde a educação infantil, os alunos ficam imersos em uma cultura discriminatória, que ignora o direito das crianças negras e desvaloriza sua identidade.

O diagnóstico pertence à pesquisadora Waldete Tristão, que dedica sua tese de doutorado em debater a forma como as relações étnico-raciais se constitui como um fator estruturante dos currículos da educação infantil. Para ela, a escola ainda continua desenvolvendo práticas preconceituosas que podem ser detectadas em diversas esferas, entre elas na relação entre adultos e crianças. “Até os professores se omitem diante das situações de preconceito e discriminação que atingem a criança negra”, conta.

Por serem aqueles que lidam diretamente com as crianças dentro dos espaços educacionais, a forma como os professores e professoras se relacionam com os alunos conta muito. Segundo Tristão, a educação básica é o espaço onde são mais evidentes as relações afetivas dentro do contexto da educação, e por isso esse profissionais devem “reconhecer o preconceito e o racismo que ainda existe e resiste na sociedade, de modo que possam perceber que seu tom de pele ou textura de cabelo importa e é percebido como singulares e de beleza única.”

Porém, a atuação dos docentes não deve acontecer sozinha. É necessário que a gestão escolar esteja empenhada em criar mecanismos de mobilização e atuação que garantam o avanço dos processos educacionais. A pesquisadora acredita que tratar das relações raciais nestes espaços exige a parceria da direção e da coordenação pedagógica. “O compartilhamento de certas tarefas formativas é que garante o alcance das metas e objetivos educacionais para que as práticas sejam coerentes e tenham êxito”, afirma.

Iniciativas

O sucesso destes processos e tarefas dependem também da representação da pessoa negra nos materiais didáticos, bem como a valorização da história do negro no Brasil. Uma grande falha atribuída aos livros distribuídos na rede pública de ensino, é a representação do negro apenas como escravo ou em demais posições consideradas socialmente subalternas.

Em resposta a esta crítica, o prefeito Fernando Haddad lançou em julho deste ano o livro O que você sabe sobre a África?. A obra foi inspirada na monumental coleção de oito livros promovida pela Unesco, História Geral da África, que foi traduzida por Haddad enquanto Ministro da Educação. O livro didático fará parte do material didático das escolas públicas do município de São Paulo, porém para alunos do Ensino Fundamental.

Tristão avalia que a qualidade da linguagem, das imagens e informações constitui não somente um material didático de importância para os alunos, mas também para conduzir a formação dos professores. “Os volumes produzidos para a rede municipal paulistana colaboram para a implementação da lei, além de ser uma fonte de formação e pesquisa para docentes na realização dos seus projetos com as crianças”.

Porém, pesquisadora explica que muitas escolas ainda não reconhecem o ensino desta temática na educação infantil por acreditarem serem obrigatórias somente no ensino fundamental, mas afirma que esta conduta ignora a legislação como alteração da Lei 9.394/96 que estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. “O não reconhecimento da lei e a negação deste debate, é também uma forma de resistência.”

Uma outra forma de resistência relaciona-se à justificativa de que as crianças da educação infantil, em especial as mais novas, não são preconceituosas e, portanto, seriam incapazes de atitudes racistas. “Desde pequenas as crianças estão imersas numa cultura que abriga diversos espaços de socialização como a família, a escola, as instituições religiosas”, recorda Tristão, ao afirmar que o ensino da cultura de matriz africanas e afro-brasileira deve começar já nos primeiros anos de vida escolar.

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