Pesquisa do Instituto de Relações Internacionais compara as relações exteriores dos governos do Brasil e da Índia

Estudo aponta mais diferenças do que semelhanças ao comparar identidade populista em política externa dos governos de Jair Bolsonaro e Narendra Modi

Reprodução: Mateus Campos Felipe/Naveed Ahmed

A escalada ao poder de líderes de extrema direita a partir de 2016 marcou uma nova era na política internacional. Nesse contexto, a dissertação de mestrado “A identidade populista em política externa comparada: uma comparação dos National Role Conceptions dos governos de Jair Bolsonaro e Narendra Modi”, realizada por Letícia Godinho Mongelli, analisou o impacto nas relações internacionais do Brasil e Índia, após o empossamento de Jair Bolsonaro e Narendra Modi, respectivamente. 

Os dois países foram escolhidos, pois são “democracias jovens com sociedades complexas e plurais, além de terem passado por transformações políticas importantes nos últimos anos, e que se apresentaram ao mundo de forma semelhante desde o fim da Guerra Fria, isto é, com uma estratégia de engajamento ao multilateralismo”, explica Godinho. A demanda por literaturas sobre o populismo e política externa recente dos países do Sul Global, conjunto de países em desenvolvimento, foi outro motivo citado. 

A pesquisa realizada no programa de mestrado do Instituto apontou mais diferenças do que semelhanças entre as relações internacionais desses dois países após a ascensão da extrema-direita. Entre as divergências está a forma como cada nação se apresenta internacionalmente  na atualidade: enquanto o Brasil optou por reforçar uma identidade conservadora com as narrativas anti-inimigo e anti-instituições internacionais, o que representa uma quebra na tradição da política externa brasileira, a Índia permaneceu em uma trajetória voltada a reafirmar seus papéis clássicos de Potência Emergente e Membro do Sul Global.

“Esta diferença tem a ver com os diferentes momentos da história de seus países em que ascenderam Bolsonaro e Modi”, explica Letícia. A pesquisadora detalha que Bolsonaro chegou ao poder em um período de decadência internacional do Brasil e por isso, entre outras razões, objetiva destruir a imagem de multilateralista e país emergente construída desde Fernando Henrique, e mais intensamente durante o governo Lula. No caso de Modi, “o presidente assume a Índia em um período ainda de ascendência, tanto em termos de crescimento como de prestígio internacional e, portanto, vai tentar construir em cima do que já estava sendo feito”, complementa Godinho. 

Em relação às semelhanças, ambos os líderes possuem um discurso com componentes religiosos, além de uma narrativa anti-inimigo. No caso do Brasil, esse papel do inimigo é inventado pela força no poder, seguindo o exemplo de outros governos de extrema-direita da Europa e Estados Unidos, que afirmam que a civilização cristã ocidental estaria sob ataque. Para a Índia, o inimigo apontado é o Paquistão, com uma ampliação dessa rivalidade no governo Modi através da adição da variável religiosa e da associação da imagem do Paquistão ao terrorismo.

“O populismo de Bolsonaro se reflete intensamente nas Relações Internacionais do Brasil. Já o populismo de Modi ficou mais restrito ao ambiente e aos discursos domésticos”, explica a pesquisadora. De forma geral, o governo de Jair Bolsonaro surtiu um efeito mais drástico nas relações internacionais de seu país do que o de Modi, já que o primeiro realizou uma quebra na política recorrente, amplamente influenciado pela retórica da extrema-direita do Estados Unidos, enquanto o segundo, apesar de revisitar algumas estratégias, segue principalmente com os papéis que a Índia vem construindo desde 1990. 

Para o futuro, Godinho explica que o posicionamento internacional de cada país terá consequências. O isolamento geopolítico dos dois Estados, ainda que por motivos distintos, é um fator a ser observado. Enquanto o isolamento geopolítico da Índia está relacionado ao avanço da China, com seus inúmeros empreendimentos, e Narendra Modi está tentando reverter essa realidade através da busca de novas parcerias para a Índia, principalmente com os EUA, o Brasil encontra-se isolado em razão de sua própria política externa. Isso porque, esta encontra-se marcada por atritos diplomáticos, questões ambientais domésticas e ataques à democracia.  

Para além das consequências internas, Letícia ressalta os impactos para a ordem global como um todo. A ascensão de lideranças populistas e conservadoras ao poder, como as analisadas na pesquisa, resultaram em um enfraquecimento do multilateralismo, uma falência das iniciativas de desenvolvimento e integração regional, além do avanço de discursos anti-inimigo, a perda da credibilidade da diplomacia tradicional e a tentativa de resolução de conflitos por meios não institucionais. 

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