MaRIas: quatro anos de luta pelos estudos de gênero dentro das Relações Internacionais

Criado em maio de 2017, o grupo de estudo sobre Gênero nas Relações Internacionais, MaRIas, completa quatro anos de atuação

Protesto no Dia Internacional da Mulher - Rio de Janeiro [Foto: Bethânia Suarez/ Acervo Pessoal]

MaRIas. A grafia do nome pode causar estranhamento para aqueles que ainda não tiveram contato com o grupo de estudos sobre gênero do Instituto de Relações Internacionais da USP. Um segundo olhar mais atento esclarece tudo, com as letras “R” e “I” em formato maiúsculo, o nome inclui a sigla (RI- Relações Internacionais) dentro de um dos nomes femininos mais comuns e representativos do País. E também busca incluir a perspectiva das muitas e diversas Marias dentro das Relações Internacionais. 

Segundo Natalie Moreira, mestre em direito pela Queen Mary University of London e em RI pela USP, hoje doutoranda, o nascimento do MaRIas foi bastante despretensioso: “O MaRIas surgiu mesmo como uma iniciativa espontânea das alunas de pós graduação do IRI (Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo). Por sentirmos uma necessidade de explorar essa pauta de gênero”. Segundo ela, os estudos relacionados à gêneros como aqueles que envolvem a desigualdade secular que as mulheres enfrentam nas mais diversas localidades do planeta   não tinham muito espaço dentro da grade horária proposta pelo instituto. 

A principal proposta das estudantes era entender algumas das inúmeras facetas que envolvem o assunto e construir de maneira coletiva um conhecimento mais aprofundado a respeito das temáticas pertinentes ao estudo de gênero dentro das relações internacionais. “Eram encontros nos quais a gente poderia sentar juntas e ter um primeiro contato mais profundo sobre o que era gênero em Relações Internacionais. A gente tinha vontade de estudar, de entender mais, mas era tudo bastante informal”, relembra Natalie. 

A ausência de mulheres não estava apenas na grade curricular, mas se estendia por todo o ambiente acadêmico vivenciado pelas fundadoras do grupo. Ao notar a predominância da presença e olhares masculinos dentro do instituto, as então alunas de pós-graduação sentiram a necessidade de diversificar as perspectivas pela qual os assuntos eram abordados. Ao se recordar dessa época, a doutoranda Kelly Agopyan afirma: “Os palestrantes eram na sua maioria homens falando dos mais diversos temas e a gente sempre se indagava ‘Por que não chamaram uma mulher? Por que não fizeram um calendário muito mais igualitário do que esse’ então começamos a perceber que ouvíamos poucas mulheres falando, líamos poucas mulheres e não tínhamos esses espaços”. 

Diferente de outros grupos de estudo, a proposta do MaRIas também era incluir os estudantes que não tinham gênero como área de pesquisa. De acordo com Kelly “O MaRIas não era um espaço apenas para quem já estudava gênero e queria aprofundar a sua pesquisa. E  sim um espaço de formação para quem não estudava gênero e queria começar desde o ‘bê-a-bá’ do que é Gênero e RI”. 

“No comecinho de 2010 a gente já tinha pensado em dar uma nova cara para o MaRIas. Pensando em criar produtos para o que a gente estava fazendo” afirma Kelly. O objetivo das coordenadoras do projeto era expandir os conhecimentos compartilhados e gerados durante os encontros de formação. A crise sanitária do gerada pela COVID-19 atrapalhou o plano inicial das alunas de realizar um seminário presencial e influenciou muito na maneira como o grupo se organiza e atua: “A gente teve que se reinventar realmente e se adaptar à modalidade virtual” conclui a doutoranda. 

Hoje, o MaRIas realiza encontros virtuais e abertos ao público, o que permite que os conhecimentos compartilhados atinjam um público mais amplo do que era possível com os encontros presenciais. Segundo as organizadoras, foi a migração para os ambientes virtuais que possibilitou tanto crescimento em um período curto de tempo, permitindo que pessoas de outros estados e outras áreas do conhecimento se juntassem para discutir os muitos temas que os estudos de gênero abarcam. 

Integrante do MaRIas há pouco mais de um ano, a doutoranda em ciências políticas Laira Tenca, enfatiza as grandes mudanças pela qual o funcionamento passou  em um passado recente: “Antes o MaRIas era um grupo de estudos dentro do departamento de Relações Internacionais da USP, agora o MaRIas é um grupo de pesquisa referência em estudos de Gênero e Relações Internacionais para diversas universidades do Brasil”. 

A mudança se concretizou através da realização de um seminário virtual que foi capaz de mobilizar mais de 100 profissionais da área e do interesse da equipe do MaRIas em pesquisar sobre a realidade das profissionais que pesquisam no campo das relações internacionais. “Estou (no MaRIas) desde o ano passado, desde o começo do que é o novo MaRIas. Porque o que o MaRIas é hoje é muito diferente do que a Natalie e a Kelly fundaram a quatro anos atrás” conclui Laira. 

Há um esforço constante por parte do grupo para tornar as informações produzidas e compartilhadas nos ambientes acadêmicos públicas. Para isso, o MaRIas é ativo nas redes sociais e em plataformas como o YouTube, além de compartilhar pesquisas e artigos através do próprio site. Com o passar do tempo, as integrantes do grupo notaram que a diversidade de formas não era o suficiente para cumprir de modo satisfatório o objetivo do grupo de democratizar as Relações Internacionais. Era necessário expandir as abordagens dentro do conteúdo. 

Por isso, o grupo tem abordado cada vez mais perspectivas que não encontram muito espaço dentro dos campos mais tradicionais das Relações Internacionais. Laira Tenca explica: “Fomos percebendo que  o incômodo só com a ausência de mulheres não era o suficiente para democratizar as Relações Internacionais. E uma das coisas que temos feito desde o começo do ano passado é nos dedicar aos estudos de perspectivas do Sul Global e perspectivas decoloniais”.  

Com quatro anos de atuação, o MaRIas se prepara para reivindicar cada vez mais espaço dentro do campo das relações internacionais “Faltam espaços para que essas pessoas não só proponham suas pesquisas, mas pensem de uma forma que não seja hegemônica”, esclarece Laira. 

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