Estudo analisa interação entre dopamina e remédios antipsicóticos em pacientes com esquizofrenia

Os efeitos da relação do neurotransmissor com a olanzapina e a quetiapina foram a base de estudo para a pesquisa.

Créditos: Nick Youngson/Pix4free

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), os distúrbios mentais são caracterizados pela combinação de pensamentos, percepções, emoções e comportamentos de caráter anormal. De acordo com dados da OPAS, a esquizofrenia afeta cerca de 23 milhões de pessoas no mundo. Dentre as principais características, a doença desenvolve sintomas de alucinações e delírios mentais.

Esses efeitos são resultantes do acúmulo do neurotransmissor dopamina que interage ininterruptamente com os receptores neurais — no caso, o receptor D2 —, o que gera uma hipersinalização e uma aceleração das sinapses. “Você não tem esse espaçamento de tempo entre uma dopamina e a outra para chegar. O receptor está sempre funcionando, interagindo com dopamina, nunca está livre, nunca está disponível”, explica o pesquisador do Instituto de Química da USP (IQUSP), Raphael Bacil.

Com o auxílio de outro pesquisador do IQUSP, Marcelo Cecconi, foi realizada uma pesquisa para entender como acontece a interação dos antipsicóticos — mais especificamente a olanzapina e a quetiapina — com a dopamina e o receptor em questão. Com isso, de acordo com o pesquisador, foi possível perceber que, não apenas os remédios impedem que essa dopamina seja transportada de forma contínua, mas, também, existe uma formação de uma nova substância quando entra em contato com o neurotransmissor.

Cecconi ressalta ainda a importância do trabalho para futuras pesquisas na área: “Esse é um começo, é entender como as moléculas se comportam, como elas estão interagindo e o que está acontecendo ali. É um primeiro passo para a gente poder desenvolver fármacos melhores, que a gente tem mais controle das reações e das interações dele com nosso corpo”.

Histórico do tratamento de esquizofrenia

A partir de um panorama histórico, os pesquisadores apresentaram que, durante os anos, não só a esquizofrenia, mas os transtornos psiquiátricos em geral foram desprezados. Dentre os tratamentos mais utilizados, o isolamento total da pessoa e a lobotomia eram um dos mais desumanos pelos quais os portadores destes distúrbios eram submetidos. 

Durante muitos anos, a terapia de eletrochoques também foi utilizada como a solução para essa doença, mesmo que deixasse a pessoa em uma condição de vida instável, muitas vezes, entrando em um estado vegetativo permanente. No entanto, os efeitos da esquizofrenia em si eram mitigados. Isso acontecia porque, ao aplicar a corrente elétrica no cérebro da pessoa, “essas moléculas podem ser oxidadas e reduzidas, e, ao aplicar um apanhado de potencial ali, você muda, literalmente, a parte neural dessa pessoa”, explica Bacil.

Com o avanço da Medicina e dos tratamentos da doença, o uso da técnica de eletrochoque foi reduzida e começou-se a utilizar medicamentos especializados para impedir a hipersinalização dos pacientes esquizofrênicos. Criados na década de 1950, os medicamentos da primeira geração, também chamados de típicos, apesar de serem menos agressivos que os tratamentos anteriores, ainda possuíam muitos efeitos colaterais, como o parkinsonismo — conjunto de sintomas geralmente presentes em quem possui Mal de Parkinson, como a lentidão e rigidez nos movimentos, além da presença de tremores em repouso. 

Já os atípicos, desenvolvidos na década de 1990, conseguem atuar também como antidepressivos e favorecem a estabilização do humor do paciente. É nessa categoria que se enquadram a olanzapina e a quetiapina, objetos do estudo em questão. No entanto, Cecconi explica que ainda existem efeitos colaterais desses remédios, mesmo que mais leves, e que é difícil de eliminá-los, já que “você está literalmente mexendo com vias metabólicas e com o sistema neural da pessoa”.

Entenda o processo de bloqueio da oxidação da dopamina pelos antipsicóticos 

A forma como ocorre a interação entre as substâncias antipsicóticas e a dopamina é proveniente, antes de tudo, de uma série de oxidações do neurotransmissor. Na etapa final, um anel de seis carbonos e dois nitrogênios, presente nas duas substâncias antipsicóticas, chamado de piperazina (C4H10N2), entra em contato com o catecol [C6H4(OH)2] da dopamina, um anel benzeno com duas hidroxilas. 

Estrutura da Olanzapina e da quetiapina, respectivamente. Créditos: Reprodução/ Raphael Bacil

Bacil explica como se procede a ação da olanzapina e da quetiapina dentro do sistema neural: “O remédio para a esquizofrenia faz exatamente isso, ele vai lá e bloqueia o receptor, então ele compete com a dopamina por esse espaço. A intenção é diminuir essa sinapse, de modo que a pessoa sinta menos efeito colateral”

Com o preenchimento dos espaços dos receptores por parte dos antipsicóticos, existe, consequentemente, uma limitação das vias onde a dopamina pode interagir. Assim, mesmo que ainda exista um número alto de taxa de dopamina presente no sistema neural da pessoa, a diminuição da passagem do impulso nervoso impede a hipersinalização, readequando-a ao mais próximo da normalidade sináptica.

Vale ressaltar que ainda não é possível saber se essa interação em questão é benéfica ou não nas outras partes do corpo humano. Bacil aponta que a metabolização do produto entre os antipsicóticos e a dopamina pode gerar uma série de problemas, sejam eles cardíacos, renais ou hepáticos, sobretudo no caso do uso prolongado desses medicamentos. Por isso, a venda desses medicamentos é controlada e estão incluídos nos chamados “tarja-preta”

“Ao desenvolver um design de remédio, você tem que pensar na atuação específica dele, o tempo que ele vai ficar no corpo do paciente e como ele vai ser eliminado, porque ele não pode ficar ali de qualquer maneira, não é feito para ficar permanentemente”, finaliza Bacil. 

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