Nas escolas, os alunos geralmente veem dificuldade em se alinhar com os temas de matemática, química e física, causando uma abstração difícil de ser superada pelos professores. Na USP, a incidência deste problema no ensino de química foi analisada na pesquisa de doutorado de Beatriz Schneider-Felicio, do Instituto de Química. A pesquisa investiga que os conceitos químicos são mais palatáveis se explicados em meio a discussões sociais próximas da realidade dos alunos.
Aplicada num curso pré-vestibular do movimento de Educação Popular de Ribeirão Preto, em São Paulo, a pesquisa analisa a formação de conceitos de termoquímica em meio ao contexto histórico-social dos alunos.
Segundo a tese, existe uma ruptura entre o que é ensinado nas escolas e a vida do estudante fora dela. A metodologia das aulas de ciências impede que o aluno se torne consciente da sua existência enquanto “sujeito ativo de sua história e da história humana”. Beatriz comenta que um dos princípios da ciência é justamente entender a realidade, para então recriá-la com este conhecimento. “Se o ensino fosse voltado para o aluno entender a própria realidade, compreenderia funções e potencialidades próprias, alheias, e suas em conjunto com as alheias. O que transformaria a percepção e a leitura de mundo”.
Diálogo em sala
Além disso, Beatriz explica que incluir aspectos da vida do aluno nas discussões dentro de sala de aula o motiva a ouvir e a falar. Quando não se sente excluído ou desestimulado, o estudante se vê motivado a discutir o conteúdo — não só com o professor, mas também com seus colegas. Assim, forma pensamentos “que ora estão relacionados com a reprodução da leitura, escrita e discussão do conteúdo; ora estão relacionados com discussões pertencentes à sua vida”, afirma a pesquisadora.
Contudo, a própria situação das escolas dificulta esse tipo de diálogo. Nas públicas, a superlotação, de mais de quarenta alunos por sala; a falta de laboratórios e recursos tecnológicos multimídia; e a não permanência dos professores na mesma turma tornam a comunicação improvável. Além disso, apoia-se muito no livro didático e na resolução do vestibular como fim último. O ensino ainda é descontextualizado e dissociado das situações reais e vivenciais do estudante.
Enquanto professora, Beatriz conta que viu esse problema de perto. A ideia da tese inclusive surge a partir da sua experiência dentro de sala, tanto em ensinar quanto em aprender, quando era aluna. Para ela, a falta de comunicação entre ambas as partes “dificulta que o professor conheça os alunos, os seus nomes e suas realidades, para que possa preparar atividades coerentes com suas necessidades”.
Meninas e ciência
O afastamento da ciência se intensifica ainda mais quando se trata de meninas. A porcentagem de garotas que têm interesse por temas de ciência exatas, como tecnologia, engenharia e matemática, é alta — a última é favorita de 40% das meninas em São Paulo, segundo iniciativa da Disney Latinoamérica. Porém, o número contrasta com o de mulheres formadas em profissões destas áreas — o Instituto de Estatísticas da Unesco verificou que apenas 28% dos pesquisadores do mundo são mulheres.
Assim, pode-se concluir que há uma desconexão durante o período escolar. Para inserir mais meninas nas carreiras de ciência, Beatriz acredita ser necessário mostrar a história das mulheres na ciência, porém não apenas reconhecer as já destacadas, como Marie Curie, mas também aquelas que foram coadjuvantes. “Por exemplo, Lavoisier tinha em sua mulher uma assistente de laboratório, uma parceira, mas pouco sabemos sobre suas contribuições. E quantos outros exemplos como este desconhecemos?”.
Beatriz também comenta que o interesse por ciência deve ser incentivado tanto dentro de casa quanto na escola. Enquanto aos professores cabe apresentar a história não contada da ciência, aos pais cabe “discutir as questões sobre divisão de tarefas domésticas de forma mais igualitária entre todos os membros da família, bem como se interessar e acompanhar os estudos dos filhos. Isso já seria um bom começo”.
Faça um comentário