Pais buscam diferentes mecanismos de comunicação para filhos autistas

O encontro da própria voz pelo autista possibilita a saída do quadro de retraimento autístico. Ilustração: Júlia Vieira

O isolamento, a surdez aparente, o mutismo e os distúrbios da linguagem, a fixação pela rotina, o olhar vazio, a indiferença em relação ao outro, o retraimento social. Essas são algumas das sintomatologias que caracterizam o quadro de autismo. Entre tantas sintomatologias características, a psicóloga Marina Bialer, em seu artigo A voz no autismo: uma análise baseada em autobiografias, escolheu estudar tudo que se relaciona a voz do autista e analisar as evoluções dos casos com o enfoque na fala. Seja o mutismo, que é a ausência de fala, seja o grito gutural, uma explosão repentina de som, seja a ecolalia, a repetição do que se ouve.

Esse estudo faz parte de uma série de artigos publicados pela autora sobre o autismo, temática que se debruçou desde sua formação e especialização. Em sua pesquisa, Bialer, por meio das autobiografias, seu objeto de estudo desde o doutorado, conduz o leitor a entrar no mundo dessas pessoas e refletir sobre o transtorno. Em nenhum momento Marina emite opinião ou busca chegar a uma conclusão sobre os casos ou o autismo em si. Além de ser a linha de pesquisa da autora, isso também ocorre pela dificuldade de se chegar a algo conclusivo sobre a linguagem autística, já que em cada caso ela se manifesta de uma forma única. “Cada vez mais a gente se dá conta que deve-se considerar cada pessoa individualmente”, relata Marina.

A incapacidade de se comunicar por meio da fala que atinge a maioria dos autistas é chamado de mutismo. Porém, em alguns casos, esse mutismo não é absoluto e em certos momentos o autista libera uma “explosão de voz”. Esse fenômeno, caracterizada na área da psicologia como grito gutural, é espontâneo e incontrolável, deixando o que alguns autistas relatam de “um espaço em branco na cabeça” após a emissão abrupta do som.

Quando a criança tenta transformar esses sons em palavras, nem sempre o que é dito corresponde ao pensamento inicial. Isso causa intensas crises de nervosismo, pois ela acaba sentindo raiva e vergonha por não conseguir se comunicar de maneira clara. Algumas vezes, no entanto, as tentativas não obtêm efeito e apenas grunhidos, ao invés de palavras, são emitidos. Em alguns casos de fala, o autista apenas consegue repetir o que ouve, como ecos. O que ocorre é que nenhum desses sons são capazes de comunicar o que eles realmente querem.

Alguns autistas encontram outras formas de se comunicar. Em um dos casos selecionados por Marina, uma garota aos quatro anos, apesar de quase nunca emitir palavras vocalizadas, conseguiu falar por meio do canto, relacionando músicas a situações ou objetos. Em um caso, a criança cantava a música “Allouette” quando penteavam seus fios após o banho, porque sua mãe sempre dizia que seu cabelo estava inteiro molhado, all wet em inglês. No entanto, essa acabava por ser uma linguagem particular e ela não conseguia se comunicar perfeitamente nem com os pais, que tinham que trilhar um caminho para entender a significação de suas canções.

Por outro lado, isso fez com que a garota saísse do retraimento autístico, podendo evoluir sua fala e repertório através do canto. Em um outro caso, a criança só saía de seu retraimento quando sussurravam com ela. A fala surrada “despersonaliza” a pessoa a quem se dirige. Se dirigir diretamente ao outro é uma dificuldade do autista em geral, assim como colocar-se como enunciador da fala, o que explica essas formas diferenciadas de comunicação e linguagem.

Ainda na linha de “apagamento” do interlocutor, há um caso em que o garoto só conseguia conversar com a mãe quando ouvia sua voz através de um gravador. No começo, as respostas eram compostas por falas simples, mas com o tempo, ele começou a desenvolver a linguagem de forma mais complexa. Em um outro quadro, o menino só podia conversar por meio do intermédio de seu cachorro. Os pais aproveitaram o vínculo dele com o cão para personificar a voz do animal e introduzir novas palavras ao vocabulário do filho.

Aos poucos, o pai e a mãe começaram a introduzir um tom humano ao personagem, possibilitando que a criança viesse a se comunicar normalmente. Em outras situações descritas na pesquisa, crianças autistas utilizam scripts de filme como linguagem, se comunicando por meio de falas das personagens. A autora chama esses fenômenos de apagamento do sujeito enunciador.

A pesquisa reafirma uma dificuldade já apontada anteriormente em outros estudos sobre o transtorno de espectro autista. Reafirma a dificuldade do autista de se colocar como sujeito da enunciação e de se endereçar ao Outro. O mais interessante desta pesquisa, no entanto, é elucidação do papel dos pais na saída do quadro do isolamento e retraimento de seus filhos. “O ser humano não nasce do vácuo”, enfatiza a psiquiatra. As autobiografias estudadas mostram a importância desse acompanhamento familiar, de perceber qual é especificidade no autismo da criança, de observar os seus gostos, interesses, e a partir disso, buscar mecanismos de comunicação, porque para cada tratamento deve haver estratégias singulares.

A autora falou sobre a esperança ser essencial nos casos, esperança essa que os pais e as mães demonstram ao procurarem soluções alternativas para os tratamentos. Marina fala que a teoria sobre o autismo faz com que pare de se acreditar em alguma melhora, como se o diagnóstico fosse definitivo. “Porém tem todo um material para refletirmos sobre isso e questionar”. Neste caso, foi por meio das autobiografias que a pesquisadora reuniu materiais suficiente para questionarmos a fatalidade dos quadros de retraimento autístico.

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