Saliva pode ser utilizada na identificação de doenças e infecções

Método que utiliza o fluido é mais confortável para o paciente e tem eficácia semelhante aos tradicionais

Enfermeira realizando teste RT-PCR salivar em paciente na Índia. Crédito: Konstantin 'KVentz' Ventslavovich. Licença Creative Commons.

Um estudo da Faculdade de Odontologia (FO) da USP revelou como a saliva pode ser utilizada para a verificação de infecções e doenças no organismo. A técnica consiste em identificar biomarcadores, ou seja, possíveis indícios de doenças que se encontrem na boca, como o Torque Teno Virus (TTV). “Ele é um vírus que não tem relação direta com nenhuma doença, mas há uma desregulação na sua multiplicação em pacientes que tem algum problema com imunidade, como pacientes transplantados, então é possível observar por essa desregulação quaisquer desbalanços no sistema imunológico”, afirma Paulo Braz, professor e pesquisador da FO. Segundo o cientista, a saliva é um biofluido muito propenso ao aparecimento de marcadores como o TTV, pois qualquer modificação das proteínas, enzimas ou substâncias químicas lá presentes pode atuar como pista para algum processo infeccioso.

Inovações pela Covid-19

A pandemia do coronavírus trouxe a necessidade de aprimorar diversos métodos de triagem e exames, especialmente em larga escala. Para Braz, suas pesquisas anteriores sobre saliva levaram, no momento da pandemia, a uma tentativa de detecção do coronavírus no fluido. “O diagnóstico ‘padrão ouro’, assim dizendo, é feito com um swab [cotonete longo] na nasofaringe, mas isso tem alguns inconvenientes: precisa ir pelo nariz, percorrer um caminho bem longo, é necessário um profissional de saúde treinado”, explica o professor. “E em um momento de pandemia muitas vezes se tem escassez de profissionais qualificados, e se busca uma coleta ou diagnóstico mais rápidos”.

É nesse contexto que a saliva aparece como alternativa agradável ao swab no teste de RT-PCR. A coleta pode ser realizada pelo próprio paciente, e o desconforto é mínimo. “É bem menos invasivo, não precisa de profissional de saúde para realizar, então a possibilidade é bastante interessante”, explica Braz. “Por exemplo, há um ambiente escolar em que você quer fazer análise e monitoramento da COVID. Imagina fazer coleta por nasofaringe de 30, 40 crianças por sala. Isso é muito difícil, não?” Outros casos em que o exame por saliva se destacaria são as aplicações de testes em regiões longínquas ou sem infraestrutura hospitalar e clínica, ou em pacientes assintomáticos que não enxergam a necessidade de um teste desconfortável como o do swab.

Há, porém, alguns impasses para a normatização do uso da saliva no RT-PCR, ou como material examinado em geral. “A coleta do swab é muito importante, ela tem o seu papel. A sensibilidade, a performance da saliva ainda é um pouquinho menor em relação ao swab de nasofaringe”, afirma o pesquisador. “É estatisticamente insignificante, mas ainda é um pouco menor, e precisamos sempre entender a situação. As propostas precisam ser colocadas de acordo com as realidades que você está trabalhando”.

Paulo Braz, porém, afirma que o maior obstáculo para o uso geral da saliva em exames é cultural. Não existe, na prática, o costume de solicitar exames de saliva, mesmo que ela possa identificar elementos mais variados que apenas infecções, chegando até a detectar rastros de tumores. “Ainda não há uma cultura de você solicitar um exame de saliva. A gente já tem informação suficiente para dar esse passo, mas, talvez, ainda falte a questão da cultura, talvez a gente precise fazer um marketing maior para saliva”, conclui o pesquisador. Espera-se, com a conscientização da população sobre esse método de exame, que a demanda por ele venha dos próprios pacientes, curiosos por um teste mais completo e menos desconfortável.

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