
Por Davi Caldas, José Adryan e Julia Teixeira
A escolha por animais silvestres e exóticos como pets vem ganhando espaço, mas envolve uma série de questões culturais, legais, ambientais e éticas. Terezinha Knöbl, professora da Faculdade de Medicina Veterinária (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP), analisou as razões por trás dessa prática, os impactos que ela gera e os cuidados necessários para assegurar a saúde e o bem-estar tanto dos animais quanto dos tutores.
De acordo com a especialista, a opção por animais silvestres ou exóticos muitas vezes complementa, e não substitui, os pets tradicionais como cães e gatos. “É comum que uma mesma residência tenha, além de um cachorro ou gato, mais algumas espécies não tão tradicionais”, pontua.
As espécies que têm maior chance de se tornarem domésticas ou de serem mantidas como pet são as aves — hoje, seriam mais as calopsitas, mas varia de época para época —, os pequenos roedores, como camundongo, hamster, chinchila ou mesmo coelho, e os peixes. “A pessoa também quer ter um aquário, e isso acaba virando um hobby. Então, ela passa a se interessar por esse tipo de espécie de criação doméstica.” Para complementar, ela ainda cita a criação de répteis, como jabutis e serpentes, além de alguns primatas.
Entre os principais fatores que motivam essa escolha estão a cultura e os modismos. A veterinária explica que, no Brasil, a tradição de convivência com pássaros é forte, mas muitos deles são retirados ilegalmente da natureza. Espécies como papagaios e aves canoras são procuradas por sua habilidade de imitar sons ou pelo canto que atrai os tutores.
A mídia também tem papel importante. Séries e filmes popularizam determinadas espécies, como aconteceu com cacatuas e periquitos australianos, impulsionando sua demanda. Além disso, o mercado pet, com seus produtos atrativos –– de casinhas decoradas a aquários sofisticados –– desperta o interesse de crianças e adolescentes, criando uma busca por animais menos convencionais.
Dimas Marques, editor chefe do portal Fauna News, em sua dissertação de mestrado entregue a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, colocou em pauta a cobertura midiática sobre o tráfico de animais feita pelos jornais A Folha de São Paulo e O Globo, entre os anos de 2010 e 2014. Foram analisados 254 textos e pode-se concluir que ambos os jornais não contribuem para uma cultura que ajude na redução do mercado ilegal silvestres e que não auxiliam no processo de modificação de representações sociais para gerar impacto no tráfico de fauna, já que ambos – juntamente ao Estado brasileiro – reforçam a ideia de que se pode criar animais silvestres como bichos de estimação, desde que os animais tenham uma origem legal.
O papel da mídia
As falhas na cobertura midiática sobre o assunto não são enxergadas apenas nos editoriais da Folha de São Paulo e do O Globo. O jornalismo ambiental brasileiro sofre de síndromes que o impedem de exercer suas funções informativas, pedagógicas e ativistas. Limitando a cobertura ambiental a um foco estreito e fragmentado, tentando despolitizar o debate ambiental, desconsiderando a perspectiva das populações locais, excluindo a participação da sociedade e promovendo soluções superficiais como a neutralização do carbono, sem questionar o modelo insustentável de consumo.
Dentre estes problemas está a chamada “Síndrome da Baleia Encalhada”, propagada pelo jornalista e professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, Wilson da Costa Bueno, que diz que a mídia busca sensacionalizar tragédias ambientais, como desastres e e morte de animais, sem investigar suas causas estruturais.
Conforme Maques, tem coisas que a imprensa só noticia se gera comoção, “click” e é espetaculoso. “No geral, o tráfico é meio que ignorado. Se você pega um traficante de animais com três papagaios, um passarinho, que ele estava vendendo, não é notícia. Agora, se ele for pego, por exemplo, com um mico-leão dourado, ou com uma arara azul, animais da espécie brasileira que estão ameaçados de extinção, e que têm alto valor no mercado externo, aí é noticiado.”
Ele ainda afirma que o valor notícia é muito relativo para este tipo de crime e que quando a mídia noticia cobre mal os fatos, faz parecer apenas uma notícia policial comum. Desconsideram, assim, questões importantes como o desequilíbrio que esse animal pode causar na fauna e riscos de saúde pública que que animais silvestres podem trazer para seres humanos.
Impactos e riscos
Um dos problemas mais críticos relacionados à escolha de animais silvestres como pets é o impacto ambiental. “Boa parte dos animais selvagens mantidos em cativeiro são oriundos do tráfico, e isso tem um impacto gigante na manutenção dos ecossistemas”, alerta Terezinha.
Espécies como papagaios, araras e jabutis são frequentemente alvo de captura, e muitas vezes não conseguem se adaptar ao ambiente doméstico. A professora ainda exemplifica com outros casos — animais como coelhos, muito procurados em época de Páscoa, precisam roer constantemente, enquanto os patos necessitam de áreas com água (evidente nos seus pés adaptados a esses ambientes), e ambos enfrentam dificuldades em lares que não atendem às suas necessidades.
Além disso, há uma questão ética em relação à retirada de animais do habitat natural, sobretudo no caso de primatas. “Outra espécie que também desencorajamos são os primatas. São animais que devem viver livres na natureza, não conseguimos adaptar esse animal”, afirma.
Além dos riscos aos pets, a convivência com animais exóticos também pode apresentar riscos significativos à saúde humana. Doenças zoonóticas, como clamidiose em aves ou salmonelose em répteis, são comuns quando os cuidados sanitários são negligenciados — práticas como compartilhar alimentos ou utensílios com esses pets, por exemplo, podem ser extremamente perigosas. Além disso, o uso de algumas espécies como pets por si só causam riscos à segurança do tutor, como é o caso das serpentes peçonhentas.
A docente reforça que a procedência dos animais é crucial. “Existem restrições. Devemos sempre adquirir animais de fonte de criatórios comerciais que sejam credenciados para venda. No caso dos exóticos, eles podem ser adquiridos em lojas, e no caso dos selvagens, sempre procurar criadores que são autorizados para reprodução, manutenção e comércio desses animais.”
Exige responsabilidade
Terezinha enfatiza a necessidade de responsabilidade ao optar por um animal exótico. Antes da aquisição, é essencial entender as demandas da espécie e avaliar se o ambiente pode atender às suas necessidades. “Os tutores precisam garantir que o ambiente doméstico seja adequado, respeitando as condições mínimas para o bem-estar do animal”, explica.
Além disso, ela destaca a relevância da conscientização sobre o tráfico de animais e seus impactos devastadores. “É importante garantir o bem-estar do animal e evitar a transmissão das zoonoses. E sempre combater a compra clandestina de animais que são retirados da natureza, que estimula o tráfico. Isso tem impactos seríssimos, tanto para a natureza, para os biomas, quanto risco sanitário para quem adquire esse animal, de acabar adquirindo uma microbiota patogênica e ficando doente, e às vezes até morrendo.”
Não há dados que comprovem que o tráfico de animais exóticos e silvestres está diretamente ligado ao aumento dessas espécies como pets. Segundo Marques o que ocorre é que a prática de domesticar animais silvestres alimenta o mercado ilegal. “Se o tráfico incentiva as pessoas a terem esses animais, eu não sei. Mas ele facilita.”
Ele ainda afirma a ineficiência do Estado, que não tem ações efetivas e de fato punitivas contra esse tipo de crime, que somado ao tráfico faz com que esse mercado se movimente, já que a procura por estes animais existe.
O Estado como facilitador
Hoje, no Brasil, existem apenas duas leis vigentes que tentam combater o mercado ilegal de animais silvestre. São elas: A Lei de Proteção à Fauna (nº 5197/67) que proíbe caçar, capturar e criar qualquer animal da fauna silvestre sem autorização do Estado; a Lei de Crimes Ambientais (nº 9605/98) que especificou penas para crimes contra a fauna. A punição para quem é pego nestes crimes é de seis meses a um ano.
A leis existem, mas segundo Marques, elas são ineficientes, visto que, não cabem flagrante. A pessoa responde em liberdade e pode ter sua prisão revertida em acordos com o Ministério Público. “ O tráfico de animais basicamente é um crime marcado pela impunidade. Um cara é pego com 300 papagaios, se bobear, ele sai 5 horas depois da delegacia, pela porta da frente, assina um termo circunstanciado e sai. E ele vai voltar a traficar, certo? Então, a legislação é muito fraca”, afirma o pesquisador.
Como ajudar
Caso você identifique alguma situação irregular envolvendo animais silvestres, não tente resgatar o animal sozinho. Entre em contato com algum órgão competente para que o resgate e a captura sejam feitos de maneira apropriada
Faça uma denúncia para o IBAMA pelo telefone 0800 61 8080 ou por email linhaverde.sede@ibama.gov.br ou denuncia.sede@ibama.gov.br, e forneça informações relevantes sobre o caso.
Registre o máximo de informações possíveis, como por exemplo, local da ocorrência, as placas dos veículos envolvidos, as características das pessoas envolvidas na compra e na venda e os tipos de animais.
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