Gigante dos céus: Brasil participa da construção de megatelescópio que pode mudar os rumos da astronomia mundial

Novo telescópio promete imagens 10 vezes mais nítidas que as do Hubble e abre caminho para estudar os primórdios do universo e vida fora da Terra

GMT inaugura a próxima geração de megatelescópios terrestres no Chile - Imagem: GMTBrO IAG/Reprodução

Desde a primeira noite em que Galileu olhou através de seu pequeno telescópio até a primeira vez que Hubble (HST) abriu seu obturador no espaço, os telescópios ópticos têm sido ferramentas cruciais da astronomia para estudar o universo e entender o lugar do ser humano nele. Ao longo das décadas, os cientistas descobriram que o poder de observação dos corpos celestes se mede pelo diâmetro do equipamento. 

Hoje, o Brasil está na linha de frente de um dos projetos mais ambiciosos da astronomia contemporânea: o Telescópio Gigante Magalhães (GMT, Giant Magellan Telescope), um megatelescópio terrestre em construção no deserto do Atacama, Chile, que promete revolucionar a visão humana sobre o universo.

Com sete espelhos de mais de 8 metros cada, dispostos como se fossem um único espelho de 25,4 metros, o GMT permitirá observar os lugares mais distantes e primitivos do cosmos. A professora e astrônoma Cláudia Mendes de Oliveira, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG-USP), que participa ativamente do projeto, explica melhor essa empreitada.  

O que torna o GMT diferente?

Para Oliveira, os diferenciais do GMT podem ser analisados em dois planos. Primeiro, em relação aos telescópios que já estão em operação e, segundo, em relação aos que ainda estão em fase de planejamento ou construção. 

Atualmente, os maiores telescópios terrestres em funcionamento no mundo possuem espelhos com 10 metros de diâmetro. O Brasil tem acesso a importantes equipamentos nessa categoria, como os telescópios Gemini Norte (Havaí) e Gemini Sul (Chile), com 8 metros de diâmetro cada, através de consórcios internacionais. “Temos 6,5% de tempo nesses telescópios, o que já nos coloca em posição de destaque na pesquisa astronômica. Além disso, no telescópio SOAR, de 4 metros, temos uma fatia ainda maior: 34% do tempo”, destaca Oliveira.

No entanto, um novo patamar está prestes a ser alcançado. “Quando o mundo inteiro passa a operar com telescópios maiores, não faz sentido o Brasil ficar para trás”, explica a pesquisadora e reforça a importância de integrar o consórcio do GMT. “A área coletora desse telescópio será muito maior, o que nos permitirá observar objetos mais fracos, mais distantes, do início do universo, como as primeiras estrelas, buracos negros. Além de estudar em detalhe planetas fora do Sistema Solar”, aponta. 

A busca por bioassinaturas, sinais de vida em outros planetas, também é um dos objetivos centrais. “Os espectros nos permitem entender se há gases como oxigênio, metano ou outros compostos que podem indicar atividade biológica”, explica Oliveira. 

Consórcio colaborativo global

O GMT é liderado por instituições dos Estados Unidos, mas também inclui parceiros como Brasil, Austrália, Coreia do Sul, Chile, Israel e Taiwan. Todos esses países têm de 5% a 10% do tempo de uso do telescópio. “Isso nos garante voz ativa. Participamos do comitê diretor, somos ouvidos, fazemos parte de decisões importantes”, afirma Oliveira. 

O GMT é um dos três megatelescópios que devem revolucionar a astronomia na próxima década, ao lado do Thirty Meter Telescope (TMT), de 30 metros, e do European Extremely Large Telescope (ELT), de 39 metros, que estão em fase de planejamento e construção, respectivamente. O GMT, apesar de ter menor área coletora que o ELT, terá o maior campo de visão entre eles, e ambos estarão situados no Chile. “Cada um vai ter vantagens específicas, o que permitirá pesquisas complementares”, explica a professora.

Inovação tecnológica 

Um dos grandes desafios da construção do GMT está na engenharia de seus espelhos. Ao invés de centenas de pequenos espelhos hexagonais, como será feito no ELT e no TMT, o Gigante de Magalhães aposta em sete espelhos grandes, o que reduz a complexidade do alinhamento óptico. “Quando alinhados corretamente, os sete espelhos funcionam como se fossem uma parábola perfeita. Os buracos existentes entre eles não afetarão a qualidade da imagem, apenas a área útil será um pouco reduzida”, diz Oliveira.

Os sete espelhos, quando alinhados numa parábola formam um espelho perfeito, com uma área coletora de maior qualidade para observação – Imagem: GMTBrO IAG/Reprodução

Outro avanço essencial é o uso da tecnologia de óptica adaptativa. “Ela corrige, em tempo real, as distorções provocadas pela atmosfera da Terra, que tornam as imagens borradas”, explica. A técnica utiliza lasers que criam estrelas artificiais na alta atmosfera. A partir da análise da luz que retorna, os sistemas usam espelhos flexíveis para compensar os efeitos da turbulência do ar. O resultado são imagens com nitidez comparável àquelas obtidas por telescópios espaciais, afirma a professora. 

Além disso, o GMT trabalhará com luz visível (óptica) e infravermelho próximo — intervalo de frequência que permite observar objetos mais distantes e que seriam invisíveis na luz visível, devido a nuvens de poeira interestelar e gases. 

Entrada brasileira no projeto

O Brasil se juntou ao consórcio GMT em 2015, com apoio da Fapesp. “Quando entramos, o projeto já estava em andamento, então tivemos que batalhar para integrar as equipes e contribuir na colaboração”, relembra a pesquisadora. O esforço resultou na formação de um grupo de instrumentação astronômica no IAG-USP, que hoje atua em cerca de cinco instrumentos diferentes no desenvolvimento tecnológico do GMT e lidera o grupo brasileiro.

O GMT deve iniciar sua operação científica por volta de 2039. Para Oliveira, a participação brasileira não é apenas estratégica do ponto de vista científico, mas também uma oportunidade única de desenvolvimento tecnológico, formação de pessoal e inserção internacional da ciência brasileira. “Quem não estiver dentro das colaborações dos megatelescópios, não vai fazer parte das grandes descobertas que estão por vir, e nem sabemos ainda quais serão elas. Mas sabemos que serão extraordinárias”, destaca a pesquisadora. 

Há projetos de grandes telescópios para o Brasil?

A resposta é não. Muito além da falta de investimento na área, são por questões geográficas e meteorológicas que nenhum lugar do Brasil é propício para observação astronômica de alta precisão. “Aqui não temos locais com montanhas altas e com um ar seco o suficiente, com estabilidade da atmosfera. Por isso, os projetos de grandes telescópios do país precisam ser em outro sítio”, explica Oliveira.  

Para saber mais sobre o andamento da construção do Gigante de Magalhães e a participação brasileira no projeto, clique aqui e acesse a página do GMT no Brasil. 

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