Arqueólogo traça sucessões culturais das civilizações andinas

Método de datação por carbono-14 foi usado para avaliar amostras com maior precisão

Amostras coletadas eram em sua maioria ossos de pessoas e animais [Foto: Mariana Rusanovschi/ Getty Images]

A Cordilheira dos Andes, conhecida por ser a maior cadeia de montadas do mundo, também se destaca por sua enorme riqueza cultural. A região foi habitada e dominada por diversas civilizações, dentre elas o Império Inca, ou Tahuantinsuyo, o maior império da América Latina. Em sua pesquisa de mestrado, João Marcus Bacurau marca as sucessões culturais que se deram no norte do Peru fazendo uso dos resultados de análises radiocarbônicas das amostras.

Entre 2016 e 2018, um projeto de pesquisa encabeçado pelo professor Rui Murrieta do Instituto de Biociências (IB) foi responsável pela coleta de cerca de 300 amostras de 11 sítios arqueológicos do norte do Peru. A pesquisa teve apoio de três museus do país e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

André Strauss, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE), o qual participou deste projeto, explica que para além da coleta destas amostras, foi feito um trabalho de datação por carbono-14 de algumas dessas peças e de construções como as huacas, enormes estruturas onde se davam as práticas religiosas. No Vale do Lambayeque, sítio arqueológico onde foi encontrado o famoso Senhor de Sipán, a Huaca Ventarrón foi analisada e, ao que tudo indica, sua construção se deu em apenas algumas décadas. Até então, acreditava-se que por conta de seu tamanho e complexidade, a huaca teria levado séculos para ser finalizada.

Um dos principais métodos de datação usado pelos pesquisadores na região para estudar peças, geralmente vasilhas de cerâmica, era a crono-estilística. Com ela, a estimativa da data se baseia no contexto em que a amostra foi encontrada e em outras referências documentais, arqueológicas e culturais conhecidas. Já o método por carbono-14 é uma forma de datação direta que permite saber a idade de uma amostra com grande precisão. Ao morrer, os tecidos orgânicos vão perdendo uma quantidade de carbono-14 a um ritmo constante, permitindo esse cálculo. Essa técnica é aplicável à madeira, carbono, sedimentos orgânicos, ossos e qualquer outro material que contenha esse isótopo.

“Uma forma de datação não é substituta da outra, elas são formas complementares de se olhar para a materialidade”, esclarece João. Para traçar as sucessões culturais das civilizações andinas, o pesquisador construiu um modelo cronológico bayesiano, aliando o resultado das análises radiocarbônicas com as amostras que apresentavam bons dados de atribuição cultural confiáveis.

Ele ainda destaca a importância da padronização dos métodos utilizados em diferentes pesquisas arqueológicas: “Às vezes, você encontra uma data radiocarbônica publicada em um artigo, mas faltam dados importantes para entendê-la. Que curva de calibragem foi usada nessa datação? Qual o padrão?”. Essa padronização permite a replicabilidade dos resultados científicos, garantindo que os mesmos possam ser reavaliados.

Em sua grande maioria, as amostras eram ossos de pessoas e animais encontrados em contextos funerários. Das 300 peças, 70 foram enviadas para a análise radiocarbônica, e apenas 24 apresentavam o colágeno (substância abundante em carbono) necessário para o processo. Cerca de oito peças apresentaram diferenças entre a data radiocarbônica e o período anteriormente atribuído a elas.

João explica que essa diferença pode ser atribuída a uma série de fatores, desde saqueadores de tumbas chamados de huaqueros ao fato de serem regiões muito antigas ocupadas por culturas muito diversas. A própria Huaca Ventarrón foi construída por uma cultura pré-cerâmica e era usada como um grande templo cerimonial, onde eram depositadas oferendas, mas não se encontra nenhum sepultamento neste período. Com o passar do tempo, a finalidade desse espaço foi se alterando, passando a ser usado como um lugar onde se enterravam os mortos.

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