A Organização Mundial da Saúde (OMS) recentemente emitiu um pronunciamento declarando o fim das medidas de emergência sanitária em relação à pandemia de covid-19. A medida, porém, não implica o término da pandemia. Nem sinaliza o fim do luto àqueles que não partiram.
Compartilhar a saudade é um dos caminhos possíveis para contornar a dor deixada por aqueles que partiram. Porém, realizar isso durante o período de isolamento social sem poder cumprir todo o ritual fúnebre em virtude da necessidade das medidas de biossegurança, foi um tanto doloroso e impactou negativamente o psicológico daqueles que ficaram.
Romper com o silêncio será sempre a melhor opção na superação do luto de forma coletiva, segundo Natália Amaral, mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia (IP) da USP. Ela conta que “apesar do luto ser um processo natural da vida, nós não somos ensinados a falar das nossas perdas – pelo contrário, aprendemos a invisibilizar a orfandade adulta”, explica à Agência Universitária de Notícias (AUN) ao mencionar que na Academia os estudos a respeito da morte se concentram mais em analisar a orfandade infantil.
Na ausência de cerimônias simbólicas e das palavras ditas presencialmente de carinho e apoio, uma das estratégias adotadas na pandemia, e que vigora até hoje, é a realização de memoriais virtuais. Como o meio virtual é também um espaço coletivo, a dor é, então, compartilhada. “O memorialismo virtual nos ensina que nem tudo que é digital é ruim, e que a tecnologia pode ser uma ferramenta aliada para compartilhar nossas emoções”, observa Natália, que no mestrado chegou a estudar o luto em adultos na dissertação intitulada “Luto em decorrência da morte do genitor pela covid-19: estudo com contribuições da Psicologia Analítica”.
“Culturalmente somos seres ritualísticos. Celebramos o nascer, as datas comemorativas, e também as despedidas quando alguém falece. Essas cerimônias têm um caráter psicossocial importante, pois simbolizam momentos de transição nas nossas vidas”.
O estudo possui um caráter acolhedor àqueles que perderam seus entes queridos. Inclusive, até para a autora da pesquisa. Pouco antes de sair do seu estado-natal, onde realizou a graduação em psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), embarcar para São Paulo e realizar a pós-graduação na USP, Natália teve duas perdas repentinas em sua vida: sua mãe, e em seguida, sua avó.
Estudar a respeito do luto foi uma das estratégias encontradas por ela na tentativa de contornar as tristezas sentidas. A psicóloga conta que, durante o processo de enlutamento, aprendeu que essa dor não precisa ser acolhida apenas pelos profissionais de saúde com conhecimento especializado. “Vivenciar esse momento não precisa ser terapeutizado apenas por psicólogos. Ele pode ser acolhido por pessoas da comunidade. Quanto mais verbalizamos e ampliarmos esse espaço de escuta, mais natural será encarar essas perdas”, pontua.
Para além de um motivo pessoal, a mestre procurou também atribuir um caráter político ao estudo por meio da ótica da psicologia analítica, abordagem da psicologia clínica que leva em consideração os parâmetros mais gerais do inconsciente pessoal e coletivo, diferentemente da psicanálise. “O luto não tem fim, porque esse processo está sempre presente em nossas vidas. Então, a saudade nunca se vai. Não há como universalizar a questão, pois se trata de pessoas com histórias únicas de vida que partiram e deixaram marcas que possivelmente podem ser irreversíveis àqueles que ficaram”, diz. “Por isso, a importância também de políticas públicas direcionadas na diminuição do mal-estar deixado.”
Luto compartilhado
Não é possível, ainda, mensurar o impacto da perda dos entes queridos. O estudo de Natália se concentra a respeito da morte de genitores de pessoas enlutadas. Ela explica que “ressignificar esses sentimentos é um caminho viável e necessário para construir novos sentidos para a vida deles que continuará.” Além disso, ela também pontua a necessidade de respeitar o espaço de cada pessoa para exprimir esses sentimentos na tentativa de não universalizar essas respostas. Para alguns, será fácil falar sobre, para outros, não. De forma geral, os cinco enlutados presentes no estudo evidenciaram as dores deixadas pela ausência de uma rede de comunicação com as equipes de saúde nos hospitais, sem saber a condição de saúde de como o pai ou a mãe estava.
Atualmente, a disciplina Psicologia da Morte ministrada pela professora Maria Júlia Kovács, orientadora do mestrado da Natália, é uma das disciplinas optativas livres da USP mais concorridas. A mestre comenta que uma das explicações para essa alta demanda é que a temática da morte é pouco falada no dia a dia e acaba gerando tamanha curiosidade. “A gente não deveria falar sobre a morte apenas em situações espetacularizadas nos meios de comunicação. Mas, sobre as mortes naturais que iremos vivenciar ao longo das nossas vidas”, diz.
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