A Casa 1 é uma organização não governamental que atua no bairro da Bela Vista, região central da cidade de São Paulo. A iniciativa contempla um espaço de acolhida para pessoas LGBTQ expulsas de casa, em razão de sua sexualidade ou identidade de gênero.
Inaugurada em 2017, a residência — que agora se divide em três polos — atende atualmente três mil e quinhentas pessoas. No local, há um centro cultural com atividades socioeducativas e uma clínica para atendimento psicoterápico. Esses elementos se concentram numa região em que o cuidado e a socialização se relacionam pela proximidade e criam um fluxo de serviços e pessoas.
Segundo Artur de Souza Duarte, pesquisador e mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a Casa 1 é um projeto único no Brasil, já que consegue aliar moradia, cultura, formação e saúde, abarcar pessoas em situação de vulnerabilidade e fornecer alternativas para que elas retomem a autonomia de suas vidas.
Para o pesquisador, o projeto se diferencia por ser um ponto de ancoragem para a população da região. Além dos acolhidos do espaço, ex-moradores frequentam e auxiliam nas dinâmicas dos três setores — residência, cultura e saúde — como passam a morar no entorno. Cria-se, por meio da variedade de ações, uma rede de apoio orgânica.
Através de etnografia, participação direta e estudo de caso, Duarte identificou que a atuação do poder público no Bixiga, como é casualmente chamado o bairro, era ineficiente para contemplar a variedade de pessoas vulneráveis.
Conforme pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), 61% das pessoas que se declaram LGBTQ e estão em situação de rua sofreram algum tipo de violência física em São Paulo no ano de 2019. O levantamento ainda ressalta a possibilidade de aumento nas ocorrências.
Em razão disso, a Casa 1 desenvolveu um sistema de recorte para melhor atender ao público pretendido: há uma triagem realizada pela equipe de saúde que seleciona jovens de 18 a 25 anos, autodeclarados LGBTQ, com enfoque nos perfis socioeconômicos e identitários.
De acordo com Duarte, o principal desfalque nas políticas de Estado para atender essa população são as medidas generalistas. “Não adianta fazer uma política que seja generalista e atenda todos, entre aspas, de forma igual”, diz. “Essas pessoas [LGBTs vulneráveis] têm diferentes graus de necessidade e de vulnerabilidade.”
Para ele, equipamentos de acolhida para populações marginalizadas funcionam melhor quando destinados a um número menor de pessoas. Isso possibilita um trabalho mais individualizado e qualitativo, com um acompanhamento próximo e humanizado.
Entre as referências de iniciativas similares e que deram certo, Duarte destaca as organizações francesas Pôle Jeunesse (Polo Juventude) e Le Refuge (O Refúgio), que se sobressaem pelas estratégias modernas e de conciliação com as famílias, além de seus números expressivos.
O pesquisador destaca que, embora o projeto siga os passos das referências estrangeiras, ainda é uma medida paliativa. Diferentemente das organizações já bem estruturadas e que recebem incentivo fiscal do governo, a Casa 1 se mantém por meio de doações individuais e pequenas colaborações privadas. Por conta disso, não há um fluxo abundante de caixa para ampliar e melhorar o complexo.
Outra questão apontada é o tempo em que o jovem pode permanecer na casa de acolhimento. O período ideal é de quatro a cinco meses, porque, segundo Duarte, “é muito difícil [para o jovem] estar pronto para a vida adulta. Uma parte consegue, mas outra não. E muitas pessoas têm demandas diferenciadas”.
Segundo o pesquisador, os órgãos públicos precisam aperfeiçoar suas medidas de assistencialismo e fornecer mais pontos de apoio e estruturas de acompanhamento a longo prazo — não somente medidas temporárias, como albergues e semelhantes.
Faça um comentário