
Ao repousar o olhar sobre cenas cotidianas, o comum é que seja retido apenas o que ali se encontra fisicamente, de forma literal. Por outro lado, existe também a noção de que, se explorada o suficiente, toda matéria pode fornecer um significado mais profundo sobre a realidade social em que o ser humano está inserido. Neste caso em específico, trata-se da comida; uma refeição, para além de si mesma, implica a existência de decisões tomadas em nível político que definem, por exemplo, a qualidade e a origem de seus ingredientes. Esse é o tema explorado pelo Grupo Direito e Políticas Públicas (GDPP) da Faculdade de Direito da USP — organização acadêmica que estuda o papel do direito como elemento estruturante das políticas públicas.
No projeto intitulado Direito e Políticas Públicas: a regulação dos ambientes alimentares no Brasil, o GDPP busca realizar um estudo sobre as regras, instituições e atores determinantes do ambiente alimentar brasileiro; assim como investigar a influência destes sobre a proteção dos direitos individuais e coletivos. Coordenado pelo professor Diogo R. Coutinho, da Faculdade de Direito da USP, o projeto contou com o financiamento do O’Neill Institute for National and Global Health Law, instituição norte-americana sediada na Universidade de Georgetown. Os estudos foram estruturados com base em três frentes distintas e, como dito por Coutinho, divididas “de acordo com os interesses e agendas de pesquisa de cada um [dos pesquisadores]”, o estudo aborda questões de regulação, concorrência e políticas públicas referentes à alimentação.
Mariana Levy, participante da frente de políticas públicas, afirma que o eixo analisa a relação entre compras públicas, inovação e direito; para isso, foi determinado o estudo do Programa Nacional de Merenda Escolar (PNAE). De acordo com Levy, o foco é a mudança regulatória da lei federal 11.947/2009, referente ao PNAE, que prevê tanto que a origem de 30% dos alimentos da merenda escolar devem ser oriundos da agricultura familiar, quanto a simplificação do processo de contratação. “Resolvemos estudar essa legislação e tentar compreender como esse poder de compra do Estado pode inovar e influenciar não só as políticas públicas, mas o próprio mercado de alimentos em si”, disse a pesquisadora.
De acordo com o pesquisador, situações dessa natureza (dentre as quais também se insere a tentativa de impedir a publicidade infantil), elucidam os “gatilhos que geram uma resistência maior da indústria”. Além disso, também é colocado em discussão o fomento em forma de incentivo tributário; o caso analisado foi a produção de bebidas açucaradas na Zona Franca de Manaus: “Do ponto de vista da saúde pública, não é algo positivo. O alto consumo de bebidas açucaradas tem sinais negativos e, na prática, o Governo Federal estava financiando esse tipo de iniciativa”, disse Adami.
Com os resultados das frentes citadas previstos para o segundo semestre de 2022, o grupo, além disso, estabeleceu uma parceria com a Revista de Estudos Institucionais (REI); os pesquisadores participantes do GDPP desenvolverão um volume especial, em que todos atuarão como editores. Nesse processo também foi feita uma chamada de artigos acadêmicos, por meio do qual o grupo obteve contato com pessoas que pudessem escrever sobre assuntos variados inclusos no diversificado complexo dos ambientes alimentares, como saúde e nutrição.
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