Ineficiência de políticas públicas contra o tráfico de pessoas é tema de pesquisa da USP

Sucateamento das políticas públicas de combate ao tráfico humano contribuem para promover o silenciamento dos violados e impedir o combate eficaz a esse tipo de crime

Mãos algemadas simbolizam pessoa em situação de cerceamento da liberdade [Imagem: Reprodução Licenças Creative Commons Google]

A pesquisadora Anália Belisa Ribeiro Pinto apresentou, em outubro de 2022, a sua pesquisa de doutorado intitulada Tráfico de Pessoas no Brasil: Invisibilidade, Monitoramento e Avaliação da Política Pública. A tese, realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, aponta como a ineficiência das políticas públicas desenvolvidas para o enfrentamento do tráfico de pessoas no Brasil se tornou responsável por promover o silenciamento dos violados e perpetuar o crime no país. 

Anália foi coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Netp), da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, entre 2007 e 2011. Atualmente, faz parte do núcleo Diversitas da USP e  atua no Freedom Fund EUA, ONG internacional de combate a questão da escravidão contemporânea no mundo, e decidiu ingressar no mundo acadêmico para entender qual a raiz dos problemas no processo de implementação das políticas públicas brasileiras sobre o tráfico humano.

Desde 2004, o Brasil é signatário do protocolo de Palermo, o qual estabelece padrões básicos que devem ser respeitados pelos países participantes na luta contra o tráfico de pessoas e, a partir desse compromisso internacional, o país criou políticas públicas de enfrentamento, implementadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e pelo Fórum de Combate ao Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas (Fontet), com os núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Netps), que atuam nos estados. 

Linha do tempo aponta as principais políticas públicas desenvolvidas no Brasil no século 21 — Foto: reprodução/Tese de doutorado Anália Belisa

No entanto, a criação desses e de outros aparatos públicos não foram suficientes para combater o tráfico humano. “Mesmo após a criação dos núcleos, a gente não percebe grandes avanços no combate a esse crime, principalmente pela falta de orçamento destinado às políticas públicas, o que prejudica a efetivação das ações de combate”, afirma a pesquisadora. “O Fontet não dialoga com o executivo nacional  e, ao analisarmos os relatórios do Ministério da Justiça, percebemos que, apesar de serem oficiais, eles funcionam como mecanismos de denúncia e não apresentam soluções.”

Conforme a doutoranda, a falta de diálogo entre os órgãos governamentais responsáveis pelo combate ao tráfico humano e a carência de verbas destinadas a combatê-lo escancaram o caráter secundário que essas políticas públicas têm no Brasil. Ela também analisa que o principal exemplo desse descrédito pode ser visto nos planos plurianuais de todas as instâncias, uma vez que eles não contemplam nem organizam medidas para a efetivação das políticas de enfrentamento a esse tipo de crime no país.

Adultos e crianças presas em frascos de vidro à venda simboliza a degradação das vítimas de tráfico humano – Foto: Reprodução/ Jonal Brasil em Foçhas: Flickr

Além da falta de orçamento e de diálogo entre as instituições responsáveis, o preconceito contra as vítimas do tráfico humano, principalmente as destinadas à escravidão sexual,  também é um agravante para o não funcionamento das políticas públicas de combate. “Temos profissionais despreparados para lidar com uma pessoa violada por esse crime, pois existe um preconceito inerente”, afirma. “Não é incomum, entre eles, alguém afirmar que a pessoa ‘foi porque quis’, que ‘já era garota de programa e sabia o que ia viver’”, diz. “E o preconceito é ainda maior quando a vítima é transexual.”

Caminhos para libertar pessoas

Anália apresenta em sua pesquisa boas práticas para  reduzir este crime no país. Uma delas refere-se a um caso no Acre de universitárias que foram convidadas para serem prostitutas e ao aceitarem a proposta entraram em um regime de escravidão. Quando o esquema foi descoberto elas foram condenadas junto aos aliciadores por “saberem” de todo o esquema. Contudo, o juiz Jair Facundes reverteu a situação das moças ao questionar se elas teriam aceitado a proposta caso soubessem a verdade do esquema. E, sem dúvidas, a resposta negativa das vítimas foi usada para tirá-las da posição de rés. 

Sobre este caso, Anália aponta: “O juiz conseguiu reverter o caso das meninas escravizadas com uma pergunta, isso porque ele teve uma escuta proativa, estava treinado e preparado para lidar com esse crime”, analisa. “Além disso, ele deu espaço para as vítimas falarem sobre a manipulação dos aliciadores”, explica. “Ouvir as vítimas é muito importante, pois no tráfico não há uma violência explícita, existe uma sedução e um convencimento das vítimas e, normalmente, os aliciadores têm uma proximidade social e afetiva com as pessoas traficadas.”

Além de escutar as vítimas, a pesquisadora aponta que a prevenção e a visibilidade são as principais saídas para diminuir os casos de tráfico, pois a invisibilidade do assunto trabalha a favor dos criminosos. “Temos que ter mobilizações socioeducativas permanentes nas escolas e na formação de professores para lidar com essa problemática. A imprensa também tem papel fundamental no processo de gerar visibilidade de que o tráfico existe e que pode estar acontecendo do seu lado e você não percebe.”

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