Viajar de avião é uma experiência muito interessante, mas que pode ser muito desafiadora para uma determinada parcela da população. A terapeuta ocupacional e professora do Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Fofito) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, Talita Rossi, estuda justamente como melhorar a Acessibilidade na Aviação Civil.
O projeto, que está em andamento, tem parceria com a Secretaria de Aviação Civil e visa entender quais são os problemas de acessibilidade nos aeroportos brasileiros, propor soluções a partir de boa práticas adotadas em aeroportos nacionais e internacionais e desenvolver um Manual de Acessibilidade para o transporte aéreo com métodos de avaliação e indicadores para ajudar o setor. Devido a pandemia a pesquisa, que teve início em 2019, precisou ser interrompida, mas ela já se encontra na fase de desenvolvimento do manual.
Talita conta que além desse estudo, ela participou, em 2012, com a Embraer de um projeto sobre acessibilidade nas cabines das aeronaves. Na época estava em discussão na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a Resolução 280, que trata dos procedimentos de transporte de passageiros com necessidades de assistência especial (deficiência física, autismo, restrição de mobilidade). Em 2016, em parceria com a Anac, realizaram um diagnóstico dos aeroportos do Brasil – regionais e principais – e elaboraram relatórios sobre as condições de acessibilidade em cada um, os quais foram entregues à Agência ao final da pesquisa. Ao todo, foram observados cerca de 34 aeroportos.
De acordo com a pesquisa realizada no doutorado da Talita, os principais problemas que foram encontrados, em relação à acessibilidade, durante uma viagem são categorizados em três fases: embarque, voo e desembarque. Eles podem ser identificados na locomoção entre o aeroporto e a entrada da aeronave, locomoção na cabine da aeronave, acomodação de bagagens e de equipamentos assistivos (que ajudam a melhorar a funcionalidade e a independência individual), acomodação no assento, interação com os atendentes do aeroportos, companhias aéreas, comissários e outros passageiros, utilização do lavatório, compreensão dos avisos de voo, alimentação, utilização do sistema de entretenimento a bordo e da unidade de controle do passageiro (temperatura, iluminação individual e reclinação do encosto).
Para compreendermos melhor, podemos pensar em uma pessoa deficiente auditiva que não consegue se comunicar com os comissários de bordo e nem ouvir as instruções que estão sendo transmitidas, já que elas não são feitas também em libras. Ou, em uma pessoa deficiente visual, que não consegue ler os cardápios dos restaurantes do aeroporto e os informes que ficam disponíveis no avião, por não estarem disponíveis em braile. E ainda, uma pessoa que utiliza sonda e precisa efetuar sua troca durante o voo, com um lavatório minúsculo.
Talita explica que a responsabilidade da acessibilidade durante os vôos é das companhias aéreas. Inclusive, pela lei, pode-se solicitar previamente um comissário de bordo para acompanhar o passageiro que precise de assistência. Isso é chamado de Briefing individual e embora seja um direito do passageiro, muitos desconhecem essa possibilidade.
No processo de identificação das práticas adotadas, foram observados os aeroportos da América do Norte (Estados Unidos e Canadá), Europa (Portugal, Inglaterra, Irlanda), Oriente Médio (Dubai) e Ásia (Cingapura, Japão e Coréia do Sul). Talita afirma que existe uma diferença muito grande externamente, em relação à organização: “nos aeroportos da Europa, por exemplo, tem uma resolução europeia, que vale para todos os países membros da União Europeia. Nos aeroportos é possível notar mais recursos de acessibilidade. Tudo é mais padronizado, em todos os aeroportos têm um help point. É como se fosse um interfone, um ponto de comunicação em que é possível solicitar ajuda”.
Os próprios aeroportos, diferente do Brasil, têm equipes para prestar assistência aos passageiros e não deixam isso restrito às companhias aéreas. Inclusive, contam com um Comitê de Acessibilidade, em que participam funcionários do aeroporto, das companhias aéreas e das outras empresas que prestam serviços para e dentro do aeroporto.
O Manual que está sendo confeccionado vai indicar todas as práticas de acessibilidade encontradas, com informações e descrições de cada uma. Essas práticas são relacionadas ao deslocamento, orientação espacial, comunicação e uso. Além disso, serão indicados programas de treinamento para os comissários de bordo, elaborando assim uma Política de Acessibilidade para os aeroportos brasileiros.
Embora o intuito principal não seja fiscalizar as companhias e, sim, identificar os problemas e fornecer sugestões de como resolvê-los, a partir dos indicadores do Manual, as empresas serão avaliadas e receberão selo de acessibilidade. “Isso será um fator de concorrência e visibilidade para as companhias”, afirma Talita.
Os indicadores que serão utilizados no método de avaliação ainda estão em desenvolvimento a partir das práticas observadas e dos procedimentos adotados. Além de receber a opinião dos passageiros quanto à acessibilidade oferecida e o tempo de espera para receber auxílio, por exemplo.
O Manual será testado no segundo semestre nos aeroportos e assim poder validar os instrumentos de análise, e para eles poderem opinar sobre o procedimento. “Vamos entregar o produto para a Anac. Depois vamos avaliar os aeroportos e dar a devolutiva para eles, para eles pensarem no que dá para eles melhorarem. E aí faremos uma segunda rodada de avaliação para ver o que mudou e o que não mudou e a partir disso, conceder os selos de Acessibilidade. E o projeto será fechado com a concessão desses primeiros selos”, explica Talita.
Ela também conta que a ideia é que o processo de validação do Manual também passe por uma consulta pública para que pessoas que precisam dessa assistência especial possam contribuir com suas experiências na elaboração do guia.
O projeto é interprofissional, e além da Terapia Ocupacional da USP, os cursos de psicologia da USP Ribeirão, de Tecnologia da Informação do Instituto Federal de São Paulo e da Engenharia da Produção, Engenharia Civil e Fisioterapia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) também participam do projeto.
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