O avanço dos tratamentos de doenças epidêmicas por meio da nanomedicina e nanotecnologia

Trabalho de Iniciação Científica é voltado ao tratamento da covid-19 utilizando técnicas imunoterapêuticas e nanotubos de carbono

Estrututra tripla de nanotubo de carbono em representação gráfica [Imagem: Reprodução/Wikimedia]

Devido ao constante interesse pela cura de doenças, a graduanda do curso de Biotecnologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, Ana Luiza Moraes Octaviano, começou a desenvolver um projeto de Iniciação Científica desde o 1º semestre de 2020, a fim de estudar mais sobre os avanços da nanomedicina, nanopartículas na imunoterapia para o tratamento de doenças. Observando o início da disseminação do vírus da covid-19 no Brasil e no restante do mundo, e a fim de pensar em meios de combate à infecção, Octaviano entrou em contato com a professora Elidamar Nunes de Carvalho Lima, que atualmente desenvolve projetos de pós-doutoramento na Escola Politécnica (Poli) da USP, focados em análise evolutiva de sistemas não-lineares, bioinformática e nanomedicina com ênfase em vacinologia, imunogenética e evolução genômica, entre outros.

A estudante optou por desenvolver a pesquisa a partir de nanotubos de carbono, que podem ser utilizados de diversas formas, mas no projeto de Iniciação Científica (IC) de Ana Luiza, são utilizados os nanotubos de carbono na modulação de resposta imunológica. O que acontece é que o sistema imunológico humano possui dentro dele uma porção de células, com cada uma delas agindo sob uma função diferente. No caso da maioria dos vírus e, por sua vez, também do vírus da covid-19, Octaviano explica que primeiro estudou-se qual é a resposta do corpo em relação a esse organismo, mais precisamente, a fim de entender quais são as células que sofrem em decorrência dele e quais as que combatem esse vírus. 

Após e em conjunto com o mapeamento dessas células, a estudante e a orientadora começaram a se basear em outros estudos concluídos que usavam os nanotubos de carbono, sob o pretexto de modular essa célula e, então, modular suas respostas ao corpo. “Temos o exemplo de macrófogos e células dendríticas, que são importantes para apresentar antígenos. Os nanotubos de carbono podem modular a resposta dessas células, aumentar e estimulá-las, com o objetivo de criar também uma via de resposta imunológica. Os nanotubos são como uma ajuda ou um estímulo para que essas células comecem a trabalhar”, exemplifica.

Segundo a estudante, a relação principal está no sistema imunológico, porque os principais alvos também podem ser patógenos, como vírus, bactérias e células cancerígenas – o que, de certa forma, os tornam interligados como passíveis de tratamento pela imunoterapia. Seu projeto de IC baseou suas experimentações em outros tipos de pesquisa, como os tratamentos com nanotubos em combate ao HIV, à dengue, nos vírus da febre aftosa e etc., estudando-os como modelos para entender o papel dos nanotubos de carbono e sua implementação no sistema imunológico.  “É com base nisso que esperamos que eles também possam ser usados no caso da covid-19. Embora, se não existisse essa mutação do grupo do Coronavírus, focaríamos em outro tipo de organismo virulento. Mas como era um tema urgente a ser estudado, pensado e combatido com apelo emergencial, ele entrou em foco”. 

Célebre ao agregar diferentes áreas do conhecimento científico, como biotecnologia e engenharia de telecomunicações e controle em projetos, como a busca pela cura do HIV, Elidamar Nunes divide sua experiência prática com alunos da USP, abordando a utilização das nanotecnologias da nanomedicina como parte essencial para auxiliar tratamentos clínicos. 

Atualmente, um dos trabalhos da pesquisadora é o desenvolvimento de uma molécula de nanomedicina que atue na cura do HIV, enquanto agrega ao projeto o trabalho de engenheiros, físicos, médicos, biomédicos, químicos e biólogos. “Esse é um trabalho que tenho muito prazer em fazer, particularmente pelas questões inovadoras ao buscar um mecanismo diferente no enfrentamento do HIV, uma vez que a AIDS também não deixou de ser uma pandemia. E apesar da gente não falar tanto na infecção do HIV, ele infelizmente mata mais que o próprio coronavírus”, afirma a professora. 

Segundo ela, o número de casos, de mortes e de novas infecções pelo vírus continua altíssimo, mas aponta as duas maiores diferenças entre a covid-19 e o HIV: em primeiro, a opção do tratamento retroviral por meio de coquetéis, que antes não continham maiores possibilidades e melhores condições de tratamento; e segundo, por contar com uma maior gama de novas terapias, como é o caso da imunoterapia. 

“Outra coisa que mudou também na pandemia do HIV, é que ele era extremamente estigmatizado pelas pessoas, que associavam a infecção com homossexuais, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis”. Hoje, a pesquisadora contextualiza que “a banda mudou” e tomou uma direção anteriormente pouco preocupante: agora, o HIV se espalha em ritmo consideravelmente alto entre mulheres jovens e inseridas em enlaces matrimoniais. 

“Foi pensando nisso que iniciei o meu doutorado em análise genômica do HIV e é desta forma que entrei na Poli: trabalhando com o professor José Roberto Piqueira, enquanto buscamos modelos que pudessem fazer um tipo de entendimento da pandemia do HIV a fim de desenvolver uma ferramenta eficaz de combate”, conta Elidamar, que exprime a importância de ter encontrado a nanotecnologia e a nanomedicina como alternativas mais específicas durante tal período. A professora brinca que “se antes tínhamos um atirador, com a nanotecnologia inserida na nanomedicina, temos um sniper”, pois vai direto ao ponto X do problema que, neste projeto específico e aprovado pelo DECIT (Departamento de Ciência e Tecnologia), recebeu financiamento bastante considerável para dar andamento às pesquisas.

Elidamar contextualiza que o objetivo do projeto é encontrar qual célula é a portadora do HIV, em uma inovação na área. O que se faz é dar a terapia ao paciente para observar, posteriormente, o vírus se inserindo no genoma e se “escondendo” em um sítio específico da célula onde a medicação não consegue chegar, num processo chamado de “santuário”. A professora explica que, quando o paciente se esquece de tomar uma dose de remédio, comum por conta da rotina de medicamentos ser muito grande e pelos efeitos colaterais adversos, é pior do que esquecer de tomar o antibiótico envolvido no tratamento, pois o organismo acaba criando uma resistência que fica quase impossível de acompanhar e eliminar o vírus. “Meu trabalho é para isso: evitar que essa dificuldade aconteça. Devo encontrar onde esse vírus se localiza e especificamente eliminá-lo, utilizando as ferramentas da tecnologia, da nanomedicina”, afirma.

É por se tratar de um vírus que não possui muito controle e com taxa de mutação extremamente elevada, em situação similar às variantes do vírus da covid-19 recentemente observadas, que a pesquisadora encontrou no ambiente da Escola Politécnica, estudos que a auxiliaram no avanço do projeto. “Um dos principais objetivos do meu doutoramento foi entender qual é a chance desse vírus mudar, em que tempo e qual a probabilidade de ele ir para qual lugar. Se começarmos a entender como funcionam essas variáveis, mais fácil será controlá-lo.”

Nanomedicina e nanotecnologia como propulsores do futuro da imunoterapia

Octaviano ressalta a importância de continuar estudando os casos em que as nanopartículas foram utilizadas para avaliar a resposta imunológica de vírus no organismo animal. Segundo ela, as reações dos vírus são, geralmente, muito semelhantes entre si. Ainda assim, é necessário foco acerca dos mecanismos de evasão que determinados vírus possuem, porque cada um deles pode se direcionar a uma célula diferente vista como um alvo a se atacar. 

A orientadora, no entanto, se mostra bastante otimista perante os avanços da imunoterapia. Segundo Elidamar, a área tem muito a ser expandida e inovada e a humanidade pode esperar por tal avanço durante os próximos 20, 30 anos. “A imunoterapia caminha muito rápido. Quando falamos em 20, 30 anos parece ser muito tempo, mas pensemos: o desenvolvimento de uma vacina demora, em média, de 12 a 15 anos. Como sociedade batemos recordes ao fazer uma vacina em menos de um ano em diversas partes do mundo, como os EUA, países da Europa e no Brasil, no Instituto Butantan”, diz. 

Com o avanço da nanotecnologia aplicada à medicina e um maior desenvolvimento de pesquisas que objetivem a cura e erradicação dos vírus, bactérias, microorganismos diversos e tumores, a disponibilização dos tratamentos será cada vez mais comum entre as populações mundiais.

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