Para ex-presidente do INEP, política educacional de qualidade exige que o Estado dê estrutura aos alunos para que não abandonem a escola

Para Otaviano Helene, ferramentas de ensino à distância não são inerentemente ruins, mas devem ser utilizadas como adições à sala de aula, e não para substituí-la. Foto: Mayke Toscano/Seduc-MT

“O problema não é só falta de equipamento. É muito mais do que isso. O ensino exige um ambiente adequado que os alunos, especialmente os de menor renda, não têm em casa. Fora da escola, onde os alunos não podem interagir imediatamente com o professor e os colegas, a situação é muito menos produtiva para o aprendizado”. É o que afirma o professor do Instituto de Física e ex-presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), Otaviano Helene, sobre as problemáticas do ensino à distância, que virou a norma nos ensinos básico e superior durante grande parte da pandemia.

A suspensão das aulas presenciais foi um dos impactos mais diretos da crise sanitária no cotidiano de grande parte da população jovem do país. Agora, no segundo ano desde o início da pandemia de Covid-19, os impactos negativos provenientes desse processo são alarmantes. De acordo com relatório da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o índice de abandono escolar no país saltou de 2% para 9,2% de 2019 para 2020. Além disso, desigualdades pré-existentes foram aprofundadas, como indica o fato de o Enem 2021 ter registrado uma queda de 52% na adesão de estudantes negros e de 31% dos estudantes de escolas públicas em relação ao ano anterior.

Para Helene, que trabalha e milita na área de política educacional desde os anos 1970, ferramentas de ensino à distância não são inerentemente ruins, mas devem ser utilizadas como adições à sala de aula, e não para substituí-la: “Os profissionais da educação nunca se negaram a usar outros recursos educacionais. Ao contrário, sempre fomos abertos para ferramentas que adicionam ao processo. O que a gente se nega e sempre se negou é a substituir um recurso que funciona bem por um pior”

Na avaliação dele, esses dados negativos não são fruto apenas da pandemia, mas também da crise econômica, aprofundada durante a pandemia, mas anterior a ela: “Sempre que o Brasil passa por uma crise econômica, a gente tem uma redução do desempenho escolar dos nossos estudantes. Um exemplo bem marcante foi a década de 80. Naquele período, por exemplo, a gestão de Leonel Brizola no governo do Rio de Janeiro com Darcy Ribeiro na Secretaria de Educação investiu muito na educação, mas mesmo assim a crise provocou uma piora nos índices educacionais do estado”

Se momentos ruins economicamente já trazem impactos em contexto de uma gestão comprometida com a educação, eles são ainda mais catastróficos sob a política de um governo federal como o atual, que Helene descreve como mais do que irresponsável do ponto de vista promotor de um desmonte de vários recursos destinados ao desenvolvimento cultural, científico e educacional do país.

Em resposta ao que precisa ser feito para reparar os danos dos últimos anos, a perspectiva não é otimista. O professor afirma que é praticamente impossível recuperar uma pessoa com dificuldades financeiras que abandona a escola, e que o único jeito de impedir esse fenômeno é fazendo da escola o ambiente mais atraente possível entre as alternativas do adolescente, caso contrário a evasão se torna inevitável.

“A educação gratuita não é realmente gratuita. A gente precisaria ter um mecanismo da chamada ‘gratuidade ativa’, que inclui transporte, merenda, material escolar e até, se o país realmente quiser resolver o problema, uma ajuda financeira para o estudante cujos responsáveis não conseguem suprir essas despesas”, defende ele.

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