A Doença de Parkinson Idiopática é uma doença neurológica crônica e lentamente progressiva, a qual não se sabe a causa, associada à perda de neurônios produtores de dopamina (neurotransmissor responsável pelo envio de mensagens às partes do cérebro que fazem a coordenação dos movimentos). Com a diminuição do neurotransmissor, ocorrem falhas na comunicação da informação necessária para o controle do movimento, assim, o controle motor fica comprometido e ocorrem os tremores.
Embora não haja cura para a doença, que, segundo estimativas do Ministério da Saúde, atinge mais de 200 mil pessoas no Brasil, é possível controlar os sintomas e retardar seu progresso com o uso de medicação e técnicas de reabilitação. Por isso, há a necessidade de estudos contínuos que visem a melhoria da qualidade de vida desses pacientes e de seus familiares.
O artigo “Associações transversais entre cognição e mobilidade na doença de Parkinson”, publicado pela Associação de Neurologia Cognitiva e do Comportamento e assinado por Nariana Mattos, Roberta Macedo e Sonia Maria Dozzi Brucki investiga as relações entre a função cognitiva (função psicológica que atua na aquisição de conhecimento através de processos como percepção, atenção, associação, raciocínio e linguagem) e o desempenho da marcha em pacientes com Doença de Parkinson que participaram de um programa de reabilitação hospitalar da Rede SARAH.
Os estudos mostram uma associação entre o declínio da flexibilidade mental (habilidade de mudar pensamentos, buscar novas soluções) e o controle inibitório (habilidade de inibir ou controlar respostas impulsivas, processo fundamental para para interromper ou continuar um comportamento) com a redução da velocidade de marcha, quedas, déficit de atenção dividida e dificuldade para iniciar a marcha.
Para entender melhor a pesquisa e seus resultados, entramos em contato com uma das autoras do artigo, Nariana Mattos. A psicóloga especialista em neuropsicologia clínica, trabalha na Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação – Associação das Pioneiras Sociais e conta que, por fazer parte da equipe de um hospital no qual o foco é o atendimento interdisciplinar, pode observar o quanto as funções cognitivas impactam no desempenho motor dos pacientes com Parkinson. “Apesar de existirem estudos na literatura, correlacionando a cognição e distúrbios motores na doença de Parkinson, o trabalho vigente objetivou investigar esta interação apenas em pacientes com comprometimento cognitivo leve, ou seja, sem prejuízo funcional”, afirma a pesquisadora.
Um total de 107 pacientes em estágios iniciais da doença (fases I e II da Hoehn e Yahr) foram recrutados para o estudo para a testagem cognitiva e neuropsicológica. As funções cognitivas foram avaliadas por meio do teste de Dígitos Spam, Teste de Trilhas e Exame Cognitivo de Addenbrooke, enquanto a função motora foi examinada por meio do teste de caminhada de 10 metros, Mini BESTest e teste Timed Up and Go (TUG).
As análises de correlação do estudo mostraram que as habilidades de equilíbrio estavam significativamente correlacionadas com a cognição global e com domínios específicos, como a atenção dividida, fluência verbal e função visuoespacial. As pesquisas mostraram, ainda, que a velocidade da marcha está relacionada com escores globais de cognição, memória e atenção.
Esses resultados ajudam na identificação precoce de déficits cognitivos ou disfunções motoras em pacientes com a doença de Parkinson, que podem se beneficiar de estratégias de reabilitação e de prevenção de quedas. Nariana ressalta a importância da avaliação e intervenção neuropsicológica precoce, que auxiliam em mecanismos de plasticidade neural e compensação do processo neuropatológico.
A pesquisadora explica que “os resultados sugerem a implicação da atenção dividida, flexibilidade mental e habilidade visuoespacial no desempenho da marcha em indivíduos com a doença de Parkinson. Dessa forma, além da reabilitação física, os pacientes com queixa cognitiva devem ser avaliados, sempre que possível, por um neuropsicólogo, a fim de identificar as limitações e potenciais cognitivos, para participação em programa de reabilitação cognitiva e multimodal”.
O estudo defende um tratamento personalizado, que leve em consideração fatores sociodemográficos, potenciais, limitações, áreas de interesse e suporte social e familiar; além das características clínicas de cada paciente. “Estes aspectos são necessários para pensarmos na reabilitação, pois o engajamento e envolvimento do paciente vai depender de uma avaliação cuidadosa e ampla”, afirma Nariana. A reabilitação busca a generalização de habilidades adquiridas para o contexto diário e, para que isso ocorra, as atividades devem ter significado para o paciente e sua família.
O artigo menciona ainda o tratamento holístico, que consiste em uma abordagem interdisciplinar e biopsicossocial, com foco no paciente e sua família. A psicóloga destaca que “o êxito do programa de reabilitação vai depender do nível de participação e, portanto, o paciente e seus familiares precisam compreender e perceber as dificuldades e a importância do tratamento”.
Contudo, as pesquisadoras defendem a necessidade de estudos prospectivos futuros para investigar os efeitos do treino cognitivo no desempenho motor, já que, segundo a pesquisa, a dificuldade na reabilitação motora pode estar mais relacionada à perda cognitiva do que aos prejuízos motores em si.
Nariana afirma, ainda, que com o avanço da teleneuropsicologia, especialmente no contexto da pandemia, a necessidade de avaliações e intervenções remotas tem crescido, “porém ainda necessitamos de estudos de equivalência psicométrica e harmonização dos protocolos para avaliação da eficácia desta modalidade de tratamento”. A pesquisadora lembra que é necessário avaliar cada caso com cuidado no atendimento online, uma vez que há menos flexibilidade e obtenção de dados qualitativos quando comparado ao atendimento presencial.
“Na prática, observo [o teleatendimento] como um recurso terapêutico alternativo e complementar, principalmente para acompanhamento pós-programa de reabilitação cognitiva, estratégias psicoeducativas e abordagens psicoemocionais”, conta a neuropsicóloga em entrevista à Agência.
Leia o artigo na íntegra: https://bit.ly/3ekRMiS
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