Extrato da mangaba pode ser opção de tratamento contra doenças hepáticas causadas por paracetamol

Alimento pode atuar na cura de enfermidades causadas pelo medicamento

Imagem: Pixabay

Conhecida por mangaba, que em Tupi Guarani significa “fruta boa de comer”, a Hancornia speciosa Gomes faz parte da medicina popular brasileira. Presente em regiões de Cerrado e de restingas litorâneas, sobretudo no Nordeste, além de cumprir seu papel de nutrição, ela é utilizada também para o tratamento de tuberculose, úlcera gástrica, diarreia e problemas inflamatórios em geral. 

“Muitas vezes, a gente vê que o conhecimento popular indica aquele fruto, aquele chá pra alguma coisa e, quando a gente vai testar, dá certo”, explica a pesquisadora de Iniciação Científica, Rosangela Silva Santos, graduada em Farmácia pela Universidade Federal do Sergipe (UFS).

Ao constatar que a mangaba possui características fitoterápicas, Rosangela, em conjunto com o Laboratório de Lipídios Modificados e Bioquímica Redox do Instituto de Química da USP (LipidBioRedox), da professora Sayuri Miyamoto, realizou a primeira pesquisa acerca da atuação hepatoprotetora do suco dessa fruta em seres vivos. O estudo, publicado em março deste ano, teve duas etapas: a in vitro, em que se observou se o extrato da mangaba teria potencial para a proteção de células hepáticas; e a in vivo, com a análise da atuação da fruta contra os danos no fígado de camundongos.

Doenças hepáticas e o perigo da automedicação

Pode não parecer, mas mais de um milhão de pessoas morrem por ano decorrentes de problemas no fígado. Nos Estados Unidos, uma das principais causas para falência hepática está relacionada ao uso de um medicamento muito comum para tratamento contra dores diversas: o acetaminofeno, mas conhecido como paracetamol.

Apesar de ser um remédio conhecido, o seu uso majoritário nos estadunidenses é também proveniente da falta de oportunidade de acesso a serviços públicos de saúde, o que faz com que os tratamentos precoces, sem o devido acompanhamento médico, sejam cada vez mais procurados. A situação se agrava ainda mais ao se constatar que o paracetamol não precisa de prescrição profissional para ser comprado nas farmácias. “A venda de Paracetamol é ainda maior que aqui, lá eles vendem embalagens que têm mais de duzentas cápsulas”, relata a pesquisadora.

No organismo, quando o acetaminofeno é consumido, este é metabolizado e transformado em N-acetil-p-benzoquinona imina (NAPQI), que normalmente consegue ser neutralizado pelo antioxidante glutationa. Entretanto, a pesquisadora Rosangela explica que, a partir de uma alta dose consumida de paracetamol – cerca de 350 miligramas da substância por quilo do ser vivo –, “a quantidade de NAPQI também sobe, e ele é muito, muito tóxico para o fígado”, pois o antioxidante não consegue combatê-lo totalmente. Assim, acontece o ataque às células hepáticas e, com isso, o fígado entra em falência.

Por que a escolha da mangaba para o tratamento de doenças hepáticas?

Sabe-se que a medicina popular se utiliza de folhas, frutos, raízes, ervas e diversas outras fontes oriundas da natureza para o tratamento de diferentes doenças. A pesquisadora explica que diversos frutos foram testados para o desenvolvimento do estudo, justamente por esse caráter multifuncional destes recursos naturais que podem ser utilizados em procedimentos terapêuticos. Além disso, os frutos em geral costumam possuir antioxidantes, os quais podem ser investigados para auxílio da saúde hepática.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, o estado de Sergipe é o segundo maior produtor de mangaba do Brasil, com cerca de 381 toneladas ao ano. A produção do fruto, inclusive, é concentrada no Nordeste do país, sendo a Paraíba o principal estado produtor.

Método de pesquisa e resultados

O desenvolvimento da pesquisa teve como objetivo a percepção de como a mangaba atuava na proteção do fígado de seres vivos. Após testar se a fruta poderia ter esse potencial curativo, como medicamento in vitro, foi feito o teste em roedores para a compreensão da ação do extrato da H.speciosa nos organismos destes animais. Como resultado, conclui-se que a atuação da mangaba realmente é benéfica e consegue evitar danos ao fígado.

Ao analisar as células dos roedores, observou-se que aquelas que foram pré-tratadas com o suco da mangaba e, posteriormente, expostas a altos níveis de acetaminofeno, conseguiram manter a integridade da sua membrana lipídica celular, comparando-se com os daqueles que não foram tratados pelo fruto. 

Rosangela explica que foi possível perceber a essa situação de proteção das células hepáticas a partir da identificação de três marcadores presentes no sangue dos animais: o AST, ALT e GGT. “Para cada doença existem marcadores que, quando aquela substância está muito alta no corpo, ou aquele marcador, quer dizer que tem um problema ali. Esses marcadores, quando você olha o exame e vê que estão altos, você afirma que ali tem um problema no fígado”, explica ela. 

No estudo, notou-se que a presença sanguínea dos marcadores citados foi diminuída, respectivamente, em 37.9%, 38.42% e 59.73%. A partir dessa análise, pode-se concluir que as células hepáticas estão mais protegidas da ação do NAPQI por conta da aplicação do extrato da mangaba.

A comprovação efetiva da ação da mangaba, entretanto, não pode ser confirmada, por se tratar de um estudo inicial. Entretanto, a partir dos estudos realizados no LipidBioRedox, do IQ, a possibilidade de que o extrato do fruto aja no combate à peroxidação lipídica da célula hepática é uma das principais provas levantadas pela pesquisa. Essa peroxidação nada mais é que a quebra da membrana lipídica que protege a célula, justamente o local em que o NAPQI do paracetamol em excesso ataca.

Próximos passos

O estudo continua em andamento na busca de novas comprovações científicas e encontra-se em uma segunda etapa. “Agora será necessário os testes em humanos, para ver se essa mangaba funciona do mesmo jeito que ela funciona em animais”. Segundo Rosangela, para facilitar esse estudo, ao invés do uso do extrato do fruto, a pesquisadora sugere que “poderia ser feito o pó, e o mesmo ser utilizado para fazer cápsulas”.

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