Bioinformática auxilia na recuperação de genoma de nova bactéria

Projeto Metazoo que estuda microbiomas do zoológico de São Paulo alcança resultados significativos

A bioinformática se aplica a análise e modelização de dados obtidos em pesquisas biológicas / fonte: reprodução

Por Álvaro Logullo Neto – alvarologullo@gmail.com

A pesquisa em genômica, hoje em dia, é responsável por gerar uma enorme quantidade de dados, o que a torna muito dependente de análises computacionais. Nesse contexto, surgiu a bioinformática, um campo de atuação interdisciplinar e recente que tem por objetivo prover ferramentas computacionais que permitam a análise de dados genômicos em larga escala.

Pioneiro na introdução da área no Brasil, o professor João Carlos Setubal coordena o Laboratório de Bioinformática no Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP. “A maioria dos professores do departamento possui laboratórios para trabalho experimental. Eles fazem experimentos bioquímicos e de biologia molecular, ao passo que meu laboratório é totalmente computacional”, conta Setubal. “Mas como dados experimentais são fundamentais na bioinformática, é ótimo para mim o ambiente do departamento, pois facilita minha colaboração como meus colegas que têm laboratórios experimentais”.

Contratado há cinco anos no Instituto e com 24 anos de experiência no campo, João Carlos conta como a área ganhou destaque e impulsão no universo científico: “A bioinformática nasceu em função da máquina sequenciadora de DNA. Antes disso, havia apenas iniciativas pontuais de pesquisadores que desenvolviam programas para análise de sequências de DNA e de proteínas”.

A partir de meados da década de 90, com o início da comercialização de máquinas sequenciadoras de DNA, o nome “bioinformática” foi pela primeira vez utilizado e desde então o campo começou a se desenvolver, explica Setubal: “Desde os anos 90 a área sofreu uma expansão gigante e, hoje em dia, ‘bioinformática’ passou a abranger tópicos bastante variados, muitos dos quais tem pouco ou nada a ver com a genômica”.

No Brasil, o campo conquistou projeção com o projeto de sequenciamento do genoma da Xylella fastidiosa ― bactéria que ataca pés de laranja ― entre 1998 e 2000, realizado por um conjunto de 34 laboratórios do estado de São Paulo. “O projeto Xylella foi acadêmico, e mesmo depois de 16 anos a bioinformática no Brasil continua sendo uma atividade predominantemente acadêmica, por isso a existência de profissionais de bioinformática em empresas ainda é muito pequena. São poucas oportunidades se comparado com EUA e Europa”, conta o professor.

Projetos do Laboratório

O Laboratório de Bioinformática do IQ-USP contribui com diversos trabalhos em variadas linhas de pesquisa. Muitos deles têm relação com o estudo de bactérias patogênicas sob o ponto de vista genômico. Além disso, também desenvolve trabalhos relacionados à expressão de genes, em contextos como câncer, formação de vasos sanguíneos, ou mesmo em bactérias.

O professor lembra que, mais recentemente, começou a trabalhar com uma linha chamada metagenômica. “O objetivo é estudar não só uma bactéria especificamente, mas uma população de bactérias que habita um determinado nicho ecológico”. Setubal é coordenador do projeto Metazoo, financiado pela FAPESP, que estuda o papel das bactérias em alguns ambientes do Zoológico de São Paulo. A professora Aline Maria da Silva, também do Departamento de Bioquímica, é vice-coordenadora.

O estudo principal dentro desse projeto é o da compostagem realizada pela equipe do zoológico. Compostagem é um processo biológico e natural em que microorganismos, como fungos e bactérias, são responsáveis pela degradação de matéria orgânica. “Trata-se de um processo complexo e por isso muito interessante de estudar sob o ponto de vista microbiano-molecular”.

O processo de compostagem realizado no zoológico de São Paulo é alvo de estudos do laboratório / fonte: reprodução

Resultados obtidos

O projeto, que já dura quatro anos, acaba de publicar resultados importantes na revista Scientific Reports, sobre os processos microbianos da compostagem. Foram coletadas amostras em dez dias distintos do processo da compostagem, que dura aproximadamente 90 dias. O DNA e o RNA mensageiro foram extraídos dos microrganismos das amostras desses dias e então analisados.

Através da análise dos dados obtidos foi possível realizar algumas descobertas, como relata o professor: “Em primeiro lugar, identificamos quais são os principais grupos de bactérias que desempenham um papel na degradação de biomassa e como esses grupos mudam ao longo do processo”. Também foram identificados os principais genes expressos em cada uma dessas fases e a quais bactérias eles estão associados.

O genoma de uma bactéria nova foi recuperado: “Quando se faz estudos metagenômicos, um dos principais resultados que você quer obter é identificar organismos desconhecidos para a ciência e nós conseguimos identificar um desses”, afirma o professor. A bactéria específica é um membro da família dos bacilos e pode vir a ser aproveitada em processos biotecnológicos, como produção de biocombustíveis. O artigo recém-publicado pode ser consultado neste link.

Perspectivas futuras

Ao mesmo tempo que estuda a compostagem, a equipe também analisa dados moleculares de fezes de macacos bugio e de amostras do lago do Zoológico. Na área do parque existem populações de bugios em vida livre e em cativeiro. Essas duas populações têm dietas diferentes, e ao comparar as amostras de ambas, será possível compreender a influência da dieta nos microbiomas, com possíveis implicações práticas para saúde animal e humana, já que bugios são primatas.

A questão do microbioma ganhou bastante visibilidade nos últimos quatro anos, quando houve um despertar para o fato de que os microrganismos desempenham papéis muito importantes em praticamente toda a biosfera. “A maioria de nós pensa em microorganismos como nocivos: por exemplo, salmonela, que é uma bactéria que causa intoxicação alimentar, ou diferentes tipos de vírus que nos trazem doenças”, afirma Setubal. “Mas nos últimos anos vem se descobrindo que nossa saúde também é dependente de uma microbiota que nos habita e que é benéfica para nós”.

O estudo do lago do zoológico tem por intuito fazer uma análise do microbioma do local. “Resolvemos estudar o lago, pois ele desempenha um papel importante no ecossistema do zoológico. Muitas aves migratórias usam o lago, várias nascentes desembocam nele”.

 Bioinformática ganha importância

Com a função de servir como instrumento para os mais variados estudos no âmbito da biologia, a bioinformática também deve ser entendida como área de pesquisa que possui sua própria identidade: “Considero que a bioinformática, tal como existe hoje, é uma área em transição. Ainda estamos muito presos a um sistema educativo disciplinar, que separa arbitrariamente certas áreas de estudo, como computação e biologia”, afirma o professor. “Estamos caminhando para um novo sistema em que essa separação é enfraquecida, levando a profissionais que terão capacitação para tratar problemas biológicos usando técnicas computacionais, matemáticas e estatísticas. Esses profissionais não serão nem biólogos nem informatas, mas uma mistura dos dois. Esse é o futuro. “

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