Raios-x podem levar a desenvolvimento de supercondutores com maior aplicabilidade

Pesquisa de físicos da USP pode auxiliar na construção de materiais que funcionam em temperaturas mais elevadas

Supercondutores podem ter aplicação prática em turbinas eólicas. Imagem: Reprodução

O estudo de supercondutores – materiais capazes de conduzir eletricidade sem resistência por meio de técnicas avançadas de raios-x pode levar ao desenvolvimento de objetos que apresentam caráter supercondutor em temperaturas mais elevadas, o que permitiria uma melhor aplicabilidade, diz um grupo de pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP).

O fenômeno da supercondutividade, descoberto em 1911, acontece quando alguns tipos de material, geralmente metais, são resfriados a temperaturas extremamente baixas, o que permite, além da condução de corrente elétrica sem resistência nem perdas, a criação de campos magnéticos.

No entanto, “estamos falando de temperaturas muito baixas mesmo; por exemplo, de nitrogênio líquido: -200, -260°C”, explica Fernando Garcia, professor adjunto do IFUSP e membro do grupo de espectroscopia por raios-X de materiais quânticos do Laboratório de Cristalografia do Instituto. “Assim, a primeira coisa que vem à cabeça é que precisamos de um material que seja supercondutor a temperatura mais elevada”, o que permitiria maior facilidade para utilizar esses materiais nos mais diversos setores.

Mas, mesmo com os empecilhos representados pela temperatura, os supercondutores já podem ser encontrados em situações do dia a dia. Uma de suas principais aplicações está nos hospitais, nas máquinas de ressonância magnética nuclear, uma vez que esse tipo de material consegue criar campos magnéticos muito altos.

Mais recentemente, pode-se usar supercondutores em turbinas eólicas, conta Garcia. Nelas, a força do vento gira a pá e um campo magnético dentro da instalação gera corrente elétrica. Segundo ele, utilizar supercondutores no motor da turbina diminui drasticamente a quantidade de terras raras – substâncias químicas que podem gerar fortes ímãs, caracterizadas por forte impacto ambiental devido a sua difícil extração – utilizadas para a geração de energia eólica .

“Supercondutores podem ser aplicados em qualquer situação em que seja necessário gerar campos magnéticos altos. No futuro, podemos pensar em grades de energia com distribuição por supercondutores, trens de levitação com supercondutores… mas essas são ideias que ainda estão limitadas pela questão da temperatura”, diz Garcia.

Síncrotrons para emissão de raio-X

De forma a entender melhor o fenômeno da supercondutividade, que também está intimamente relacionada ao magnetismo, o grupo do professor Garcia estuda materiais com essas propriedades a nível microscópico, o que é possível por meio dos raios-x.

“A maior parte da nossa pesquisa envolve visitas a grandes instalações. A gente vai essencialmente aos síncrotrons”, conta ele, referindo-se a um tipo de acelerador cíclico de partículas em que o feixe de partículas viaja ao longo de um caminho fechado.

O grupo foi grande usuário do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), cuja fonte de luz síncrotron chamada de UVX teve as atividades encerradas em agosto de 2019. Esse acelerador foi substituído pelo acelerador de partículas Sirius, que, segundo a página oficial do LNLS, “será a maior e mais complexa infraestrutura científica já construída no País e uma das primeiras fontes de luz síncrotron de 4ª geração do mundo.”

É comum associar aceleradores à colisão de partículas, mas Marli Cantarino, aluna de doutorado do IFUSP orientada por Garcia, explica que não é bem assim que os estudos do grupo funcionam: “a  gente não está interessado em ver uma colisão para ver o que acontece com as partículas. Queremos fazê-las girar para emitir radiação, um raio-x muito forte que vamos usar para fazer vários tipos de análises diferentes.”

Garcia explica que “o raio-X é um grande microscópio, que permite ver o que está acontecendo com os elétrons” do material. “Ele investiga os mecanismos responsáveis por esses fenômenos (a condutividade e o magnetismo) e, se você entende esses mecanismos, consegue desenhar materiais que são melhores, com propriedades mais interessantes para aplicações.”

Acelerador de partículas Sirius, em Campinas, SP. Imagem: Reprodução

Pesquisa interna

Segundo os dois integrantes do grupo, as visitas a grandes instalações, como o LNSL, podem ser caracterizadas como intensas e colaborativas. 

Por operar a única fonte de luz síncrotron da América Latina, o laboratório conta com uma ampla competição pelo uso do acelerador. Os interessados em utilizá-lo enviam um documento ao laboratório solicitando autorização para uso, explicando como será a pesquisa e justificativas para o pedido, destacando sua importância prática, conta Cantarino. Caso aprove o pedido, o laboratório disponibiliza alguns dias aos pesquisadores para que realizem seus experimentos.

Buscando aproveitar o tempo concedido, o grupo trabalha em equipe, num esquema de turnos, em que os pesquisadores chegam a conduzir o estudo até de madrugada.

“É um momento muito intenso, de trabalhar 24/7, ir com um grupo grande e operar em turnos na estação experimental. Requer muito compromisso dos estudantes, saber que é um momento de imersão nos experimentos”, afirma Garcia, acrescentando que “é um trabalho muito colaborativo, de contato constante com a equipe”.

E Cantarino complementa: “Quando começamos a medir, queremos aproveitar o tempo ao máximo. É um laboratório que tem uma grande infraestrutura e gasta muita energia, sem contar que vários projetos são negados”.

Ela destaca a importância de valorizar esse tipo de instalação no Brasil, com “portas abertas para desenvolver sua ciência no país em que você nasceu”, já que “em muitas áreas de pesquisa as pessoas não veem essa oportunidade”.

O grupo teve um projeto Fapesp aprovado recentemente, o que ajudará no financiamento de suas atividades. Segundo Garcia, os recursos serão utilizados principalmente para melhorar seu equipamento computacional e ajudar a cobrir os custos das visitas dos alunos a grandes instalações.

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