“A paisagem é mais do que ecossistemas repetidos no solo”, diz Bruno Portes, pesquisador de serviços ecossistêmicos. “É composta por vários territórios de pessoas diferentes, com motivações diferentes, que usam a terra e os recursos naturais de maneiras diferentes”. Esse mosaico de usos, pessoas e leis precisa ser inserido nas políticas públicas.
Portes é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela USP e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) do Instituto de Energia e Ambiente (IEE-USP). Ele pesquisa gestão de território, planejamento ambiental e serviços ecossistêmicos em regiões altamente urbanizadas, com foco na Macrometrópole de São Paulo.
O estudo dos serviços ecossistêmicos surgiu na economia nos anos 70, quando a crise do petróleo levou à discussão sobre como lidar com a escassez de recursos naturais. Para conservá-los, seria preciso inseri-los nas tomadas de decisão política e econômica de maneira mais eficiente do que apenas demarcar uma lei de proteção ambiental, de modo a atribuir valores à natureza, junto ao raciocínio de custo-benefício da gestão pública.
O conceito de serviços ecossistêmicos foi criado para inserir a importância dos ecossistemas para o bem-estar humano nas decisões políticas e econômicas. “Com o mapeamento de serviços e uma estimativa do grau de importância dos ecossistemas para a sociedade, as políticas de conservação ambiental podem avançar no desenvolvimento sustentável, elaborando programas de pagamentos por serviços ecossistêmicos, monitorando as mudanças nos ecossistemas e realizando alterações nos serviços em cenários futuros”, diz o pesquisador.
Para ocorrer um planejamento mais sustentável, Bruno aponta que o primeiro passo é compreender quais serviços esses ecossistemas prestam, quais populações inseridas nesses ambientes trabalham para sua manutenção, quem se beneficia e quais são os mecanismos possíveis para desenhar as políticas de gestão sobre aquele território.
“Esse entendimento sobre os ecossistemas pode ajudar a pensar quais atividades podem ser realizadas de modo a não prejudicar os serviços essenciais prestados, como ponderar as necessidades da população com as infraestruturas possíveis de serem colocadas para que tenham acesso a bens e serviços essenciais sem prejudicar o ecossistema”, conta Portes. Para o planejamento do território ser socialmente justo e ecologicamente sustentável, é essencial que seja feito de maneira participativa, com ampla consulta e debate com todas as partes envolvidas no processo.
A atual crise ambiental ampliou a necessidade desse debate. Segundo Portes, “a emergência das mudanças climáticas tem sido grande propulsora do desenvolvimento de políticas que caminham rumo à sustentabilidade, especialmente quanto à redução das emissões de gases de efeito estufa”. Eventos extremos como ondas de calor, chuvas torrenciais e secas prolongadas, gerados pelo aumento da temperatura média global, afetam os ecossistemas de diversas maneiras. “Isso pode comprometer a qualidade e a quantidade dos serviços ecossistêmicos”, diz.
A crise ambiental aumenta a incerteza sobre como será o clima no futuro e se os ecossistemas atuais continuarão existindo da forma como o ser humano depende deles. “É preciso pensar em políticas que visem tanto a proteção e recuperação dos ecossistemas, como também a resiliência das populações em momentos de crise, pois as comunidades rurais e de baixa renda são as mais afetadas em momentos de escassez de recursos”, conta Bruno.
Ao pensar nas comunidades mais carentes, é preciso lembrar que a ideia de pagamentos por serviços ambientais pode resultar na “intensificação de um mercado de recursos naturais que leva a uma visão individualista e competitiva sobre estes. Isso pode intensificar a desigualdade no acesso a recursos naturais e serviços ecossistêmicos”, conta o pesquisador.
Uma das formas de resolver o problema é pensar as políticas de serviços ecossistêmicos como parte de projetos de desenvolvimento rural sustentável. “No Brasil, as regiões rurais são as que concentram os maiores bolsões de pobreza, com dependência econômica, além de falta de saneamento, infraestrutura, educação de qualidade, acesso a bens e serviços de comunicação e transporte, entre muitos outros”, ele comenta.
As políticas públicas baseadas em serviços ecossistêmicos para comunidades tradicionais contribuem como uma fonte de renda que não deriva da exploração dos recursos, mas de sua preservação. Para o pesquisador, isso ajuda o desenvolvimento de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas inseridas em áreas de proteção ambiental. Mas para serem feitas de maneira justa e sustentável, ele ressalta, é preciso que essas políticas sejam pensadas junto com a participação dessas populações.
A integração entre meio-ambiente e economia ainda tem muitos aspectos para avançar. “A economia é apenas um dos espaços em que a ecologia precisa ser mais incorporada, e este debate precisa vir acompanhado de uma discussão sobre como fazer isso de maneira justa, que combata a desigualdade social e regional brasileira”, comenta Portes.
O pesquisador acredita que deve ser feita uma discussão permanente sobre como o modo de vida atual depende do consumo intensivo de recursos naturais. “As mudanças na economia e na política precisam ser acompanhadas de maneira crítica pela sociedade, visando a construção de um futuro que seja, de fato, sustentável”, conclui.
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