Desde março de 2020, a professora-associada Fernanda Dreux Miranda Fernandes do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da USP, que coordena um laboratório de atendimento fonoaudiológico para crianças do espectro autista e fornece serviços assistenciais em conjunto com seus alunos, teve de realizar uma brusca transição para dar continuidade ao atendimento durante a pandemia. O projeto atende 63 crianças e estão envolvidos seis alunos de graduação, três de especialização e quatro de pós-graduação stricto sensu e uma doutora.
O atendimento fonoaudiológico de crianças do espectro autista integra uma série de práticas que buscam o desenvolvimento sócio-cognitivo no uso funcional da linguagem, ou seja, tem a intenção de facilitar as interações sociais e a comunicação verbal e não verbal das crianças.
Por conta da pandemia, o Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa) permitiu a realização de teleatendimento fonoaudiológico durante o período de isolamento social, atividade que até então era proibida, a não ser quando realizada em função de pesquisas e projetos de extensão.
Como a professora afirma, a ideia nessa mudança era “além de manter a formação dos alunos, manter o vínculo e o processo terapêutico com a criança, que não podia ser abandonada”. A organização de toda a estrutura para o atendimento levou cerca de duas semanas e agora, segundo a docente, é possível ver que tanto os alunos quanto os pacientes estão se desenvolvendo e se empenhando em fazer tudo acontecer da melhor forma possível.
Um ponto interessante que pôde ser explorado no teleatendimento foi a maior facilidade das crianças com meios não pessoais de comunicação, que, segundo Fernanda, se demonstram mais confortáveis e adaptadas ao teleatendimento. “Um grupo de mais ou menos 30% deles parece preferir o teleatendimento, a interação através do computador. Eu acho que a gente vai ter uma área para trabalhar, quando o atendimento presencial ou quando os contatos poderem ser próximos, fisicamente mais próximos, em que essas crianças talvez tenham um tipo de dificuldade diferente. Talvez tenhamos que focar mais no contato pessoal, não através do computador”.
Os atendimentos são realizados semanalmente, em horários individualizados a cada criança e duram cerca de 40 minutos. Além disso, são enviados atividades para os pais realizarem com as crianças em casa, que as auxiliem no desenvolvimento de vocabulário, estruturas frasais, formas de se comunicar e organização cognitiva.
No entanto, a realidade não é a mesma para todas as 63 crianças atendidas pelo laboratório. A falta de computador, a não participação familiar e a dificuldade de acesso a internet comprometem o atendimento online. Além disso, o preparo da terapia remota por vezes demanda mais tempo do que a terapia presencial, o que também dificulta o exercício profissional dos estudantes.
O que é possível apontar pela experiência da professora e de seus alunos é que o teleatendimento se mostra uma alternativa válida aos atendimentos presenciais. Mas Fernanda reforça: “ele não substitui completamente, mas resolve alguns problemas e pode ser uma solução para alguns períodos”.
O teleatendimento, em algumas famílias, se mostra um facilitador. O transporte, a distância e as horas despendidas no período anterior à consulta são fatores que desgastam as famílias, mas não são impedimentos. O teleatendimento também exige investimento e envolvimento da família.
O envolvimento dos pais nas atividades e o uso de situações do dia a dia ampliam o impacto do trabalho fonoaudiológico no desenvolvimento da criança. A intenção é ver o atendimento como algo que vai além das obrigatoriedades e atua em conjunto com novas formas de agir no cotidiano familiar, mas “sem com isso querer dizer que as famílias têm obrigação de se tornarem terapeutas”.
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