Terapia para anorexia nervosa passa pelo tratamento dos pais

Estudo aponta para a necessidade de capacitação da família dos pacientes adolescentes

O desafio do pesquisador é prevenir a obesidade sem produzir transtorno alimentar (Fonte: Marcos Santos/USP Imagens)

Um transtorno alimentar grave que se manifesta mais comumente na adolescência. O tratamento para anorexia nervosa é longo, duro, exige participação ativa de pais e familiares e, mesmo assim, metade ainda permanece com sintomas importantes. O pesquisador do Instituto de Psicologia da USP, Felipe Alckmin Carvalho, em seu doutorado, “Desenvolvimento e avaliação dos efeitos de uma intervenção psicoterápica destinada a adolescentes com anorexia nervosa e a seus pais: coletânea de casos”, apresenta uma nova saída: o suporte paralelo aos pais dos pacientes.

“O meu interesse pela tese surgiu a partir da constatação de que há poucas intervenções que cuidam dos pais de adolescentes com anorexia nervosa, que eu compreendo como um adoecimento familiar”, explica o psicólogo.

Seu tratamento cuida dos pais simultaneamente aos filhos, através de sessões capazes de promover habilidades socioemocionais e capacitá-los para trabalharem ativamente no combate ao distúrbio, evitarem recaídas e aprenderem a lidar com tal transtorno.

Ele conta que seu dispositivo clínico tem a participação dos pais como protagonistas, os quais eram considerados culpados pelo adoecimento de seus filhos. Por sua vez, Felipe faz-se valer da atuação deles na realimentação e manejo comportamental, atividades para as quais muitas vezes não estão preparados. 

O paciente com anorexia não tem condição de escolher o que comer, a quantidade, a hora. Dessa maneira, seu tratamento é desgastante, uma vez que os familiares precisam acompanhar, em tempo integral, a prescrição do nutricionista. “Em transtornos alimentares, não existem remédios”, salienta o pesquisador, apontando para a importância do preparo psicológico dos pais dos pacientes.

Felipe ainda reafirma a função protagonista dos familiares: “Eu costumo dizer que, no começo do tratamento, o adolescente está completamente controlado pelo transtorno”. Assim, quem fica responsável pelas primeiras fases do tratamento, são os pais. Somente, à medida que o transtorno alimentar vai perdendo força, o adolescente vai se recuperando, e começa a ajudar na luta contra o distúrbio.

A metodologia aplicada no projeto centrou-se a partir da análise de coletâneas de casos, muito comum em testes de novas modalidade de intervenção: quando ainda não apresentam resultado ou estudo prévios. A ideia foi testada em uma pequena quantidade de pacientes e, com os resultados bastante positivos, o pesquisador deseja expandir o número de famílias estudadas. 

“A coleta proporcionou momentos muito angustiantes. Alguns pacientes chegavam para o tratamento e, na semana, seguinte perdiam ainda mais peso. Houve um caso de uma das famílias não pode dar continuidade porque a paciente chegou a um nível de baixo peso tão extremo que, por risco de morte, ela precisou ser internada. Acompanhar as famílias foi muito angustiante”, conta o psicólogo sobre as dificuldades encontradas no projeto. 

Ele lamenta a falta de centros especializados nesse tipo de atendimento: “Hoje, no Brasil, só há uma uma unidade de tratamento especificamente destinada a crianças e adolescentes com transtornos alimentares. É muito difícil encontrar unidades que estão preparados e que entendem como tratar um transtorno alimentar”. 

O psicólogo reafirma a importância de uma equipe interdisciplinar para um tratamento que é muito difícil e custoso para o próprio profissional. “Eu vejo que, mesmo em grandes centros, há poucas pessoas capacitadas. É muito comum pacientes apresentarem um quadro grave de transtorno alimentar e ter que se deslocar distâncias em busca de tratamento adequado”. E ainda completa: “Sem dúvida, o tema de transtornos alimentares deve ser tratado como uma questão de saúde pública”. 

Para ele o grande desafio, enquanto pesquisador e clínico, é buscar entender como prevenir a obesidade sem produzir transtorno alimentar: “Muitos dos nossos pacientes aparecem na clínica com transtornos alimentares, a partir do engajamento numa dieta restritiva muitas vezes prescrita por nutricionistas”, explica.

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