A denúncia para discriminação de minorias tem uma nova alternativa dentro da legislação. O pesquisador da Faculdade de Direito da USP, Pedro Bernardes, conta que durante sua dissertação de mestrado estudando sobre a mediação de conflitos, acompanhou cerca de 75 casos que usaram desse mecanismo. Entre as modalidades as quais presenciou, havia discriminações de caráter étnico-racial, de desrespeito à orientação sexual e/ou identidade de gênero e ainda portadores de vírus HIV ou pessoas com Aids.
Em todos os casos, o pesquisador introduziu tanto às vítimas quanto aos opressores formulários de satisfação a respeito do novo mecanismo. Os resultados, segundo Pedro, foram de forma geral muito positivos. Isso porque ao contrário da litigância, a mediação permite que ambas as partes ouçam e sejam ouvidas, trazendo a sensação de autonomia. Ela é um meio consensual, na qual tanto vítima quanto opressor participam de forma cooperativa para encontrar soluções.
Como funciona o processo de mediação
Ao contrário da forma tradicional, que se dá por meio do litígio com a participação de um juiz, a mediação é um processo totalmente voluntário. O pesquisador explica que “ambas as partes, opressor e vítima, são guiadas por um terceiro neutro e imparcial, que será responsável por fazer uma ponte de diálogo para que elas falem sobre o conflito”. É um mecanismo mais informal que permite o uso de sentimentos, fazendo com que um possa sentir a dor do outro e, dessa forma, ser possível chegar à raiz do problema.
“Todos os casos de mediação são trazidos pelas vítimas. Quando isso não acontece, há um canal de denúncia pelo qual terceiros que vivenciaram a discriminação ou ONGs que representam a vítima podem relatar o conflito”, afirma Pedro. A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo permite que a denúncia também seja feita online. Porém, Pedro ressalta que casos de violência e agressão não podem ser tratados como mediação e devem ser conduzidos como um processo.
Quando a denúncia chega, é verificado se é possível fazer a mediação, então a vítima é contatada para saber se há interesse. Posteriormente, alguém é convidado a realizar a mediação. “É possível que, durante o processo, as partes não queiram mais continuar. Isso pode acontecer com vítima, opressor ou mesmo o mediador. E há o direito de que elas possam abandonar o processo”, explica Pedro. Quando isso ocorre, o caso retorna e a Secretaria verifica se é possível que ele seja encaminhado para processo.
Acordo não é objetivo da mediação
Pedro relata que nem todos os casos os quais acompanhou foram resolvidos com a mediação. Contudo, acredita que o acordo não é a medida de sucesso desse mecanismo. Segundo ele, “a mediação tem como principal objetivo tratar do conflito e permitir que ambas as partes sejam autônomas”. Se não há acordo, isso significa que algum dos participantes não se sentiu satisfeito, “porém ainda assim a mediação foi frutífera, pois permitiu a autonomia”, ressalta o pesquisador.
Ele relata que acompanhou muitos casos bem-sucedidos com a mediação de conflitos, em que ambas as partes saíram satisfeitas. Em sua concepção, o sucesso do mecanismo está justamente na satisfação de seus participantes com o processo, não apenas com o resultado. Pedro ainda não tem a precisão de dados, que estão sendo apurados pelo Instituto de Matemática e Estatística (IME-USP). Mas, recorda que entre os motivos para o contentamento com o mecanismo, muitos mencionaram a possibilidade de expressão, ter a voz ouvida e a segurança de que a mesma situação não ocorrerá novamente
Cultura da batalha no Brasil
“De maneira geral, acredito que a sociedade brasileira ainda não conhece a mediação de conflitos”, afirma Pedro. Ele acredita que a litigância ou “cultura da batalha”, ainda é muito forte no Brasil, por isso há hoje tantos processos correndo. O Conselho Nacional de Justiça emitiu, em 2010, a resolução nº 125, que foi uma tentativa para incentivar os meios alternativos e adequados de reconciliação de conflitos. Contudo, para o pesquisador há pessoas que ainda têm preconceito contra a mediação, justamente pela cultura ainda antiquada, e chegam para a mediação sem entender exatamente como ela funciona.
Pedro aponta que as vítimas também não sabem sobre as leis de discriminação ou como exercer o direito da denúncia. Ele conta que “as pessoas que vivem com HIV foram as mais ausentes na mediação de conflitos. A falta de conhecimento não é só por parte das vítimas, mas de toda uma população”. As leis ainda são pouco divulgadas, mas precisam ser conhecidas, “principalmente as que protegem contra a discriminação, como é o caso da mediação de conflitos”, conclui ele.
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