Estela Cristina, pesquisadora da Faculdade de Direito da USP, iniciará no próximo ano uma tese de doutorado para entender como funciona o acesso de crianças refugiadas ao sistema educacional de quatro países: Alemanha, Jordânia, Uganda e o Brasil. Para isso, ela irá trabalhar com entrevistas de funcionários em escolas e com metodologia direcionada às crianças. A pesquisa surge da necessidade de facilitar o acesso de mais de 4 milhões de crianças que estão sem frequentar a escola em todo o mundo, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
A pesquisadora conta que, quando comparados os números de matrículas, a defasagem de crianças refugiadas ainda se mostra muito superior. O recente relatório global da Acnur, publicado no fim do ano passado, destaca que apesar dos esforços de governos, a matrícula de crianças refugiadas em escolas não está conseguindo acompanhar o crescimento contínuo da população refugiada. Com isso, Estela pretende buscar meios alternativos de fazê-las ingressar novamente às escolas.
Metodologia da pesquisa
Em sua tese, a pesquisadora conta que decidiu trabalhar efetivamente com as crianças devido aos sucessivos casos de violência que acompanhou nos últimos meses. “Minha metodologia é a de pesquisa participante e pretendo começá-la a partir de 2020. No momento, ainda estou colhendo a bibliografia e buscando fontes. Além disso, estive em Roraima em maio deste ano”, afirma. Com a análise dos quatro países escolhidos, Estela pretende entender como funciona o cenário educacional, entrevistando instituições e contando com a ajuda de organizações não-governamentais.
Na primeira parte de sua pesquisa, ela planeja fazer uma primeira ida aos locais e se familiarizar com as crianças. Também deseja conversar com os profissionais que trabalham diretamente com elas e direcionar a eles algumas perguntas técnicas. “Já em uma segunda fase, com um caráter mais lúdico, vou entrar em contato com as próprias crianças e solicitar que elas desenhem sua perspectiva sobre o sistema educacional em que vivem”, relata.
Cenário do acesso à educação
De 2017 para 2018, houve um aumento de meio milhão de crianças refugiadas fora da escola. Os dados mais recentes da Acnur mostram que apenas 61% das crianças refugiadas têm acesso à educação, em relação a 92% de crianças no mundo. Como exemplo disso, Estela cita um dos países os quais está analisando, a Jordânia, um dos que mais tem refugiados hoje. Segundo ela, “são quase 84 mil crianças refugiadas que ainda estão fora do sistema educacional”. Contudo, afirma que esforços têm sido tomados para tentar reverter esse quadro, como trabalhar em turnos duplos para atender a demanda.
Já o Brasil tem uma experiência um pouco diferente de acolhimento. Em sua concepção, o país não é considerado um destino típico de refugiados, com exceção das situações fronteiriças, como é o caso da Venezuela. Para ela, “o nosso maior problema não são os números de crianças atendidas, mas sim a qualidade do serviço prestado e as condições de acessibilidade”. Além disso, ressalta que muitas crianças em status de refúgio não falam português como língua materna, o que também dificulta o acesso à escola.
Outro obstáculo encontrado no território brasileiro hoje é a política dura do governo no que diz respeito à imigração. Porém, Estela ressalta que mesmo contrário, há o investimento em algumas medidas, como a Operação Acolhida. Ela está sendo monitorada em âmbito federal e já gastou em torno de 500 milhões de reais para a manutenção do acolhimento de refugiados em Roraima. A pesquisadora reitera que tem sido uma operação muito completa, mesmo que sem um viés educacional. “Se comparada às experiências de campo de refugiados de outros países, a operação é muito bem-sucedida”, conclui.
Expectativas com o resultado
Estela espera conseguir fazer uma boa análise das práticas dos países escolhidos em relação às políticas de acolhimento educacional de crianças refugiadas. Também deseja que “futuramente, isso possa servir como instrumento de elaboração de políticas públicas de inserção de crianças na educação, sobretudo no Brasil”. Acredita que é necessário priorizar a proteção da infância em todos os processos e, mais do que isso, fazer com que sempre haja esperança para essas crianças, mesmo que em um contexto duro e trágico como é o refúgio.
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